Início, meio e fim

Quando se imagina os motivos para se admirar o Batman, um dos mais recorrentes é o fato dele não ter super-poderes e, ainda assim, fazer frente a alguém como o Superman. Um humano em pé de igualdade ou até superando uma criatura de status divino. Treino duro, vários apetrechos úteis e um uniforme feito para provocar medo. Uma fantasia mais plausível, por assim dizer. Conforme se avança nas leituras de Batman, porém, uma outra razão começa a pautar a relação com o personagem: as consequências de uma tragédia e um trauma não superados. Parte de Bruce Wayne morreu ainda criança ao assistir seus pais serem mortos durante um assalto. Quando compreendeu o que queria fazer (ou "o que deveria ser feito") quanto a isso, começou a moldar a figura do morcego. Porém, logo se vê que aterrorizar bandidos não implica necessariamente em acabar com o mal. Então se percebe, nem sempre de maneira muito clara, a diferença entre uma figura justiceira e uma figura heróica: o sacrifício em nome de um bem maior. 

Esta foi uma questão recorrente quando fazia o meu TCC na graduação. Para definir o Batman como um super-herói, era necessário entender antes o que um herói representava. Termo derivado do grego antigo, herói significa um homem com qualidades excepcionais ou ainda autor de grandes façanhas. Interessante observar que, na mitologia grega, muitos heróis eram semideuses e seus grandes feitos contavam com a origem ou proteção divina. Algo além do alcance unicamente do homem, alguém capaz de superar desafios de dimensões épicas. Seria uma interpretação do que concebemos como super-herói atualmente. No dicionário, herói também pode ser compreendido como alguém que tem qualidades nobres ou morais muito positivas. Justamente esse ponto que torna a figura do herói tão prezada por nós. Do bombeiro que se arrisca para salvar vidas em um incêndio até a mãe que trabalha diariamente para garantir o sustento e a educação dos filhos. Dedicação e sacrifício. Isso leva a questionamentos interessantes. Por exemplo, entre uma pessoa normal e outra que é invulnerável a fogo e calor extremo, quem seria mais heróica ao entrar numa casa em chamas para resgatar uma criança? Pensando dessa forma, há muitos heróis na vida cotidiana, lutando por um conceito moral elevado e/ou por alguém. Apenas não chamam a atenção aos encararem seus desafios de cada dia. 

A partir desta perspectiva do que é considerado um herói atualmente, consideramos no TCC que um super-herói é um herói com habilidades sobre-humanas. Batman não tem superpoderes, mas se apresenta como um ser fantástico. Capaz de voar, de derrubar vários homens de uma vez, invulnerável a balas, etc. Porém, mais do que se apresentar como um super-herói, o objetivo de Bruce Wayne era provocar medo nos criminosos. Uma questão que foi perfeitamente compreendida pelos filmes de Christopher Nolan. Batman é um símbolo de justiça aos cidadãos de bem e de terror aos malfeitores. Este é o ponto-chave: um símbolo, algo imaterial, que pode ser adotado por qualquer um que se disponha a acatar seus valores. Incluindo dedicação e o sacrifício.



Em Batman Begins, Bruce Wayne apresenta a Gotham City um símbolo de justiça, construído para combater a decadência da cidade, mesmo que para isso tenha que ir contra suas próprias leis. Em The Dark Knight, Batman percebe que inspirou não somente a luta contra o crime (fato já problemático, pois combater o crime tinha diferentes interpretações para um promotor e para vigilantes armados), mas também pressionou os bandidos a tal ponto de recorrem ao Coringa, uma figura maléfica que ninguém compreende e nem faz questão de ser compreendida, exceto num ponto: quando o caos se instala, todos mostram suas verdadeiras faces e nenhuma delas é bonita de se ver. Tornou-se o exato oposto de Batman que, pela primeira vez, teve noção dos imensos sacrifícios que representava vestir aquela máscara. E que nem sempre o herói que se quer é o mesmo herói que se necessita.

The Dark Knight Rises é o fim do Batman de Christopher Nolan. O que deveria ser o melhor capítulo saiu como inferior aos filmes antecessores. Mas não um filme ruim. Pelo contrário. Há falhas: diálogos ruins ("O Programa Ficha Limpa que faz isso e aquilo e é bom demais pra ser verdade?" "Você é a maldade em pessoa!" "Veja como ele luta, é a Liga das Sombras de volta!"), o fato de uma criança ter descoberto que Wayne é o Batman só de olhar o sorriso ensaiado dele, a personagem Selina Kyle que sensualiza de graça e à toa e parece deslocada com o perigo iminente (o beijo final antes da bomba explodir), algumas dúvidas de roteiro (O prisioneiro alquebrado aprendeu inglês só para dar a dica ao Wayne como escapar do poço? Como Bruce Wayne chegou até Gotham sem dinheiro e como ele entrou na cidade se ela estava vigiada pelo exército? Por que a Miranda/Talia teve que encarar perseguição e tiroteio e até a morte para inundar o reator que desativaria a bomba se ela podia fazer isso muito antes?). Mas a história é muito consistente com o que Nolan mostrou até agora. E isso, no fim, é o que mais importa.


Batman assumiu a culpa por crimes que não cometeu para que, assim, Gotham reagisse ao crime. Funcionou, mas com um preço: Batman não só não é mais necessário como também é odiado pela cidade. E isso é bom, pois o herói representa justamente o perigo que Gotham não consegue combater, ou seja, uma ineficiência da cidade e seus cidadãos. Bruce Wayne aceita o fato, mas não consegue mais viver apenas como bilionário excêntrico, já que este era apenas um disfarce (ressaltado pela cena do baile de máscaras, onde, assim como em Batman Returns de Tim Burton, Bruce aparece de rosto limpo). Tal letargia leva a um dos grandes momentos do filme: Alfred revelando que jamais quis que o patrão voltasse para a cidade porque sabia que significaria que o trauma da morte dos pais assumiu proporções inesperadas e Bruce não conseguiu seguir com a sua vida. Quando Bruce Wayne percebe que Bane pode fazer Batman voltar à ativa, Alfred mostra mais uma vez o quanto é um caminho perigoso e, reconhecendo que aquele trauma jamais seria superado, a preocupação imediata é que ele não morra nas ruas. Para isso, sacrifica a confiança e amizade deles para revelar a verdade sobre Rachel Dawes.  

As cenas com Alfred mostram que Batman não tem apenas mortalidade e falhas de julgamento como características humanas. Suas escolhas, ainda que mirem o bem-estar da população, perturbam profundamente aqueles com quem mantém laços afetivos. O choro de Alfred é uma ilustração de como Batman representa a infelicidade e a nobreza de Bruce Wayne e, sendo a figura paterna dele, ele sinceramente preferiria que o filho fosse feliz. 


Assim como Alfred vislumbrou a natureza caótica do Coringa em The Dark Knight, nesta continuação ele mais uma vez ressalta o perigo que Bane representa: o mal aliado à força de vontade inquebrável. Assim como Batman, Bane também inspira seguidores e consegue calculadamente induzir seus algozes ao terror. Em determinado momento, ele diz "Ninguém se importava com quem eu era, até eu colocar a máscara". Além disso, é capaz de vencer o herói em seu próprio jogo, "você apenas adotou a escuridão. Eu nasci nela, fui moldado por ela" (interessante ver que neste filme Batman aparece pela primeira vez durante o dia, justamente quando ele derrota seu inimigo). Ou seja, Bane é a prova final de Batman: ele é quem provocará mais dor ao seu corpo e ao espírito, quem obstinadamente causará mais angústia a ponto de dar esperanças ao povo de Gotham apenas para aumentar o sofrimento final.  Bane derrotará Batman ou fará ele voltar mais decidido do que nunca a proteger Gotham City.


A partir deste ponto, Batman percebe que era preciso mais do que sacrificar a própria vida pela sua cidade. Era necessário um herói que a motivasse, assim como Harvey Dent o foi. Contudo, se Dent foi uma pessoa de carne e osso, Wayne criou Batman para ser um símbolo que sempre pode ser utilizado (como o bat-sinal restaurado para a surpresa do comissário Gordon). Se a morte de Dent foi confirmada, a de Batman ninguém pode provar. Assim é aberto o caminho para a figura não muito sutil de John Blake/Robin continuar com o legado do Cavaleiro das Trevas. 

Por isso eu enxergo o capítulo final da trilogia como um desfecho satisfatório para a versão de Christopher Nolan. Nas duas vezes que Gotham correu risco de ser exterminada, Batman apareceu, vindo de fora, tendo que superar uma limitação própria (medo para Begins e dor para TDKR, segundo Nolan) para socorrer a cidade. Retomou a ideia de uma figura ou símbolo capaz de inspirar outros a combaterem o que acham injusto. E, por fim, mostrou que ser herói exige sacrifícios. Da própria felicidade, de amigos, de amores, da vida. Por esta razão não gostei da cena onde Bruce e Selina aparecem para Alfred no restaurante. É reconfortante saber que Bruce Wayne sobreviveu, mas já havia outros indícios: o bat-sinal restaurado, o colar desaparecido, o piloto automático do veículo voador. Ver o casal naquele restaurante serviu para mostrar que finalmente Bruce desistiu de ser Batman. Apenas pra isso. Seria muito mais interessante se mostrasse apenas a expressão de Alfred, o olhar surpreso e um esboço de sorriso. Não mostrar a superação de Bruce Wayne, apenas sugestioná-la, seria mais eficiente com a ideia de que ninguém passa incólume pelo manto do Cavaleiro das Trevas. Ou pelo rito de um herói.



O pecado da discrição

Vontade não falta de dizer "não é nada pessoal", mas seria mentira. É pessoal, claro. Não há outro jeito se tratando do facebook e outras redes de relacionamento. Estamos lá porque queremos conhecer, reencontrar, confraternizar e - santo verbo - compartilhar gostos e opiniões com outras pessoas. Também há os objetivos comerciais e de mobilização social, mas a base ainda é a relação pessoal. E tem muita coisa interessante e divertida. Vez ou outra aparece uma mensagem tocante. Se a paciência esgotar, basta diminuir o acesso. Ou cancelar a conta. 

É uma questão pessoal ficar viciado ou odiar o facebook. É algo muito revelador que, para centenas de milhões de usuários, ele seja um parâmetro de vida (em campos como matrimônio e sexo, com todo o exagero inerente a eles). A plenitude de uma boa ação sendo alcançada pela divulgação aos amigos e conhecidos virtuais. Ou, ideia mais radical,  determinada atitude não ser válida se não se inserir no facebook. Talvez intimidade ainda seja considerada como tal mesmo se tornando pública. Antes era mais fácil responder a esse tipo de questionamento. Talvez porque não importasse tanto.

De qualquer maneira, chegou o ponto de saturação. Para quem já estava familiarizado com orkut, era uma questão de tempo cansaço e irritação baterem cada vez mais ao ver as atualizações dos contatos. Postagens idiotas e ridículas saem a todo momento, não importa se o usuário é novato ou não. A opção de bloquear as atualizações ou cancelar a amizade sempre existiu. Futilidade faz parte do cenário. Mas, inevitavelmente, o exagero cresce à medida que a paciência diminui (e um fato justifica o outro). 

Muitas vezes, nos últimos meses, tive que esperar fotografarem o prato que pedimos em algum restaurante antes de começar a comer. Em segundos sai a imagem de uma bela refeição e a localização de onde estamos nos servindo. Foi divertido nas primeiras vezes. Porém, ver dezenas de pessoas fazerem a mesma coisa começa a cansar. Acontece o mesmo com filmes, aulas, passeios, catequizações, paixonites, dores-de-cotovelo, a filosofia "faz parte do meu show" - e da minha desgraça. Recentemente uma colega escreveu no mural dela "tomando um vinho super bem acompanhada". Pobre acompanhante. E, claro, houve momentos em que pedi abertamente para não divulgassem nada no facebook sobre certas novidades. Cobrir meus pecados com outros pecados.

Comentando sobre uma viagem com uma amiga, ela perguntou "cadê as fotos?". Tiramos várias fotos, algumas muito bonitas. Estão na câmera, mas falta a vontade de divulgar. Não há pressa, assim como ocorreu em outras viagens. Claro que vale registrar o momento, mas é melhor que isso não seja condição para aproveitar enquanto acontece e lembrar com carinho quando já passou. Parece uma ideia romântica, e das brabas, mas é por aí mesmo.  Lendo um texto sobre como as pessoas se conectam às redes sociais, lembrei de um amigo que encontrei em um congresso internacional. Contou-me muitas novidades: o doutorado na França, as viagens que fez durante os estudos, os momentos em que por falta de dinheiro ou outro alimento teve que abandonar o vegetarianismo, etc. 

Lembrando desse encontro, vem uma conclusão interessante: a sensação agradavel e reconfortante de saber de um amigo fora da internet. E eu não sou um cara muito sociável. Mas também não sou popular e, ainda assim, já me cobraram mais participação no facebook. Faz sentido, assim como faz entender que o facebook é uma rede que visa aproximar seus usuários, mas pode reforçar segregações (as acusações de orkutização do instagram, por exemplo). É natural a ideia de que um perfil no facebook seja uma compilação de melhores momentos da vida real (embora muitos divulguem fatos constrangedores e até dolorosos, o que não impede de receberem um "curtir" dos amigos). O problema é quando cada simples momento passa a constar desta seleção. Além de ser uma postura enganosa, afasta a noção de que perder a referência de simplicidade também faz perder a de excepcionalidade. 

Mesmo enjoado e perdendo moral no texto,  não pretendo sair do facebook. Alguns dos motivos estão no primeiro parágrafo. Tem muita coisa que gosto, apenas não estão superando o que é irritante. Melhor dar um tempo. Ser moderado, inclusive na hora de gostar dos outros. Aproveitando o lançamento de uma música, bom lembrar que essa cultura de curtir, gostar e fingir que é perfeito tem seu lado bom, mas também muito de pose. Pode mascarar o oposto. Reconhecer pontos de caos e discórdia, incluindo os próprios, ajuda no seu controle.  

Resposta

"Blog é literatura?". Pergunta que me faz voltar a escrever aqui, como resposta superficial de caráter opinativo. Um motivo válido, melhor do que as minhas últimas indagações e abstrações sobre o que me fazia manter um blog, chegando ao cúmulo da postagem anterior. Desta vez tenho um bom pretexto: uma pergunta interessante, vinda de uma amiga estimada e respeitada e, de quebra, tira um pouco da ferrugem e da preguiça deste espaço. Não que essa última parte signifique grande coisa em tempos de mudanças de cidade e semestres letivos.

À primeira vista, a resposta da pergunta já está compreendida na própria apresentação do problema. "Se considerarmos o conceito de literatura como a arte de criar e recriar textos capazes de produzir efeito estético e provocar a catarse, a resposta é sim. Mas, e se consideramos a definição de Literatura do ponto de vista canônico, será que a resposta é a mesma?" Não é a mesma. Além da natural resistência dos acadêmicos da instituição (a qual  pude constatar mais de uma vez, tanto ao vivo como por relatos, começando quando fui pesquisar se quadrinhos são literatura), pode-se argumentar que os blogs não apresentam nenhuma grande novidade em relação a outros modelos literários (já li, e num livro, que o hipertexto nas postagens é uma otimização das referências bibliográficas ao final da obra), que a história deles é muito recente para se definir como literatura ou - chegando a uma etapa mais filosófica - que as várias conexões informativas presentes nos blogs estimulam a dispersão do leitor, indo contra a abstração mais profunda e centrada que uma obra literária canônica deveria ter. Não teria um poder transcendental ao ser humano. Isso levaria a uma pergunta mais abrangente: blog é uma forma de arte?

Quanto ao efeitos estético e catártico da blogosfera, não tem como não questionar como eles se configuram diante das redes sociais. Porque, mais do que estética, a catarse é a palavra-chave. E, na internet, quanto mais rápidos forem produção e retorno, tanto melhor. Como se uma declaração de amor ou uma reclamação do trânsito tivessem efeito apenas se fossem publicadas quase no instante que foram mentalmente formuladas. E no máximo em 140 caracteres. Neste sentido, os blogs se aproximam mais de um estilo literário do que o twitter ou o facebook. E não é surpresa que, embora longe de perderem sua relevância, os blogs despertam cada vez menos atenção como representações pessoais do que como espaços jornalísticos ou institucionais. É a cibercultura. Daqui a pouco vão enjoar das hashtags e partir pra outra.

Mas, considerando a estética, penso em alguns tweets, com um sorriso de resignação e inveja, que conseguiram expressar melhor meus pensamentos do que várias linhas que já escrevi. Belos aforismos do espírito. Sendo assim, twitter é literatura? E quem manda bem em 140 caracteres teria o mesmo resultado em blogs? É mais uma questão de software ou de estilo pessoal? Talvez sejam perguntas que fujam da questão principal, mas que passam pela mente ao lembrar de texto, hipertexto, link, internet, catarse, imagem, estética. E que, para uma reflexão mais aprofundada, exige mais do que consultas à wikipédia ou, num sucinto mais arcaico, da leitura da coleção Primeiros Passos.

Por isso, desejo sorte à Repórter de Sandálias na discussão sobre o tema, mesmo sabendo que ela vai depender muito mais da competência que possui, e que não é pequena. Afinal, mais do que uma graduada em Comunicação com mestrado em Letras - portanto, mais do que apta a considerar o melhor do diálogo de ambos os campos -, é alguém que demonstra atenção e sensibilidade para captar o interesse alheio naquilo que é sua motivação profissional e pessoal: o ato de escrever. 

Tanto que me incentivou a voltar aqui. Obrigado.


Cem

- Então... centésima postagem, não é isso?

- É.

- Por isso resolveu escrever como diálogo?

- Foi um dos motivos. Não sabia bem o que escrever a respeito, mas queria escrever. E, como já estava ficando de saco cheio do meu próprio texto, achei que escrever em discurso direto poderia ajudar, sem pensar tanto antes de digitar. Pode não ser uma boa saída, pode ficar ridículo, mas incentiva um pouco.

- E com quem está conversando?

- Pois é... o que dizem de um diálogo com uma só voz?

- Seria então apenas sobre você mesmo?

- Haveria outra maneira? Digo, o blog todo é sobre mim. Tentei escrever sobre assuntos variados, sendo objetivo, mas não deixa de ser minha perspectiva. Certo, não há assuntos tão variados assim, mas não há um tema específico, uma linha-chave. Nenhuma novidade até aí.

- E quais foram as últimas novidades?

- Nenhuma. De certa forma, isso me entristece um pouco, mas não é nenhuma surpresa. Percebi que escrevo mais num estado mediano, quando não estou nem muito alegre nem muito triste. Não necessariamente alegria ou tristeza, mas num ponto morno, por assim dizer. Quando nada me empolga ou desanima demais. Mas, além disso, uma hora cansa. Por isso já falei muitas vezes sobre o que leva a ter um blog pessoal, sem objetivo de lucro ou vínculo institucional. Vi algumas coisas, artigos, matérias, outros blogs, compartilhei links. E, pra variar, isso cansou também. Como já me disseram: por que ficar procurando motivo?

- E encontrou alguma resposta ou desistiu de procurar?

- Dei um tempo. Como eu disse, já li e escrevi sobre isso, principalmente quando o blog fez aniversário. Encontrei alguns motivos, mas não necessariamente uma motivação. Podia deixar pra lá, como cheguei a fazer, mas sei que uma hora vou voltar a escrever, nem que sejam velhas abobrinhas. Gosto, fico enjoado, dou um tempo, volto depois e o processo reinicia. Tudo isso sendo afetado pelo tempo disponível e estado emocional. É um círculo. Não é complicado entender.

- Falando assim, parece que já encontrou uma resposta.

- É, percebi isso agora. Já ouvi que tenho uma tendência a complicar questões que, no fundo, não são muito complexas. Minha mãe já disse isso. Até já me disseram que é por isso que não fico tão deslocado ao trabalhar com textos acadêmicos, pelo menos nas Ciências Humanas. Foi uma brincadeira, claro, mas admito que, quando lembro de alguns textos e aulas, especialmente metodologia, penso que tem um fundo de verdade. Mas e daí? Não me orgulho, mas não chega a ser uma condenação moral. Além disso, o blog é de quem? E outra coisa: vi que, justamente por essas perguntas, muitas vezes bobas, é que surgiram textos tão estimulantes, falando não somente de blogs, mas da expressão humana de maneira geral. Toda essa ansiedade é inerente e estimulante à linguagem. Confunde, pode encher o saco, mas faz parte.

- E você acha que já escreveu algum texto estimulante?

- Depende que tipo de estímulo, não é? Se for para estimular a ter um blog próprio, acho que não, até porque nunca tive essa intenção. Se for para ver ou rever alguns filmes, por exemplo, então sim, tive uma ou outra postagem que valeu. Pelo menos eu gosto de reler.

- Então você relê muita coisa do blog?

- Relia mais, principalmente nos dois primeiros anos, quando dava mais atenção ao blog. Mas geralmente não curto muito o que escrevi. Tem uns textos legais, outra parte ruim, quase constrangedora, e a maioria não fede nem cheira.

- Já apagou muitos textos?

- Não. Nenhum, para falar a verdade.

- Mas você disse que tem uma parte ruim do blog. Por que não apagou?

- Para chegar à centésima postagem... Brincadeira. Mesmo lembrando que este diálogo é o texto número 100 do blog, incluindo partes boas e ruins, eu não apaguei nada porque acho que cada postagem se encaixava no contexto que a escrevi. E isso me traz lembranças e, às vezes, ajuda a entender alguma situação atual ou recordar o caminho que fiz até ali. Isso não é muito comum, entretanto. Alguns textos eu não apaguei apenas para me lembrar de não escrever daquele jeito novamente. Aliás, essa própria conversa pode ser um exemplo disso no futuro.

- Sim, você também já falou sobre isso em outros textos do blog. Mas isso não acaba ficando previsível? Digo, é um blog de você para você mesmo. Uma hora você sabe a resposta antes da pergunta, pelo menos nas postagens de caráter mais pessoal. Se você quer um texto ruim ou uma lembrança boa, vai saber onde procurar porque já olhou ali outras vezes, não é? Uma hora isso não deixa de funcionar?

- Você acabou de mostrar a tendência de complicar as coisas. Mais um pouco e talvez até a psicanálise possa oferecer um diagnóstico dessa conversa como uma manifestação do ego e tal... Mas tem razão. Uma hora fica chato e não rende mais. Mas já li e reli, então por que apagar no final das contas? Não sei ao certo. Costumo ler outras fontes para melhorar ou no mínimo mudar as perspectivas. Mas aí veio outra questão: quanto mais eu lia, menos escrevia. Talvez seja um sintoma geral ou não. Comigo acontece. Mas o blog não fica parado por muito tempo por eu estar lendo muito. Tem a ver, mas não é a principal razão. É mais aquilo que disse antes, do círculo de enjoar e voltar. 

- E, no momento, você está enjoado ou na ativa com o blog? 

- Não sei. Há um certo conforto na indefinicão das intenções, não é? Parece um pouco quando nós somos os primeiros a nos censurar, como se a autocrítica tirasse o direito dos outros de apontar nossos erros. Mas aqui eu posso fazer isso, então não sei mesmo.

- Então o centésimo post pode ser o último?

- Improvável, mas talvez seja um dos últimos deste blog. Faz um tempo que penso em ter outro blog para assunto mais específicos. Cinema, adaptações de quadrinhos ou games, crônicas de rpg,  livros acadêmicos, sei lá, uma coisa que me fizesse ser mais objetivo.. E como isso ajudaria minha vontade ocasional de escrever, pode ser que este blog possa aos poucos ir ficando de lado. Talvez trouxesse até um benefício prático para mim, em vez de me fazer ficar matutando sobre questões pseudo-existenciais.

- Se houvesse uma outra pessoa além de você nessa conversa, o que você diria?

- Agradeceria a paciência de quem leu o blog por tanto tempo. Mas isso eu diria se houvesse outra pessoa ou não. É algo que merece ser expresso. Tirando isso, não sei. Que vale a pena escrever, nem que seja para escrever mais daquele jeito. Que os melhores textos costumar ter uma linguagem clara, mas nem sempre isso se aplica a estouros emocionais ou textos de caráter expressamente artístico. Enfim, que é sempre bom tentar melhorar. Nada de novo. Acho que, no fundo, tudo isso quer dizer que a sensação de progresso ou o sentimento de evolução valem a pena, mesmo que não se saiba qual é o topo. Mas com certeza não é o centésimo post de um blog.

Uma versão entre muitas

Quando um filme antecipa as primeiras conclusões de um espectador e a narrativa se aproveita disso, é preciso cuidado. Um recurso comum é quebrar a quarta parede e fazer piada da própria previsibilidade. Outro, menos visto, é investir no surreal ou no absurdo da história, justificando suas reviravoltas.  Bem amarrado ou não, o uso do humor, do suspense ou da provocação de uma mera curiosidade para instigar o público a entender a estranheza do que vê na tela não é tarefa fácil. Dispensar todos esses recursos e manter a capacidade de seduzir é, portanto, ainda mais agradável de se ver.

A distinção entre original e cópia e o valor de um correspondente ao detrimento da outra parecem ser o tema principal de Cópia Fiel. Bijuterias podem ser tão práticas e bonitas quantos joias verdadeiras, mas o valor de uma obra de arte genuína aumenta na medida em que surgem imitações. Então, a cópia teria uma merecimento próprio. Não somente arte material, mas abstrações e pensamentos. E quando o escritor James Miller solta que a importância de uma obra, ou melhor, uma manifestação artística é menos atribuída por sua autenticidade do que pelo olhar de quem a julga, é o primeiro vislumbre de um jogo de representação se aproximando. E se uma breve conversa entre mulheres é o seu ponto de partida, também pode ser a constatação de que o enlevo do filme já se formava desde o início tecnicamente belo e transparente da projeção, mas é sedimentado quando os protagonistas extrapolam o que se acompanhou até ali. Se a peça começou, acabou ou apenas se prolongou ao revirar os papeis (e seus atores sociais) em um desdobramento quase inverossímil, mas que não se assume como falso, é uma indagação que acompanha o jogo de cena no filme, questionando o que seria real, o que seria cópia e, por fim, se haveria uma relação de fidelidade entre eles.

O óbvio pode ser brilhante se quem o abriga tiver reconhecimento acima do trivial. Em outras palavras: dependendo de quem fala, a mesma mensagem adquire tons diferentes. E, dependendo de quem vê, assume aspectos ainda mais variados, que podem influenciar quem falou em primeiro lugar. É uma maneira reduzida de dizer que não há controle na produção de sentido na comunicação - e a Comunicação, assim como outras ciências sociais, é permeada por estudos desse tipo. O tom supostamente sério desse texto pode adquirir outro significado se for revelado que o autor tem atravessado períodos de insônia e algumas preocupações, tentando disfarçar tudo em uma escrita prolixa e enfadonha ou revelando que é tudo uma grande piada.  Mas, claro, o filme aborda sua aparente falta de controle sobre sua mensagem de uma maneira muito mais abrangente, alcançando mais que comunicólogos e artistas. Na verdade, adota uma abordagem praticamente universal: o efeitos do tempo e do amor sobre duas pessoas. É então que as diferenças entre originais e cópias artísticas perdem o espaço principal, embora não desapareçam da história.

O que se sente exatamente diante da presença de um casal belo de se ver?  E o que muda quando o casal é nosso íntimo? A provável resposta é: depende de quem vê. Jovens apaixonados têm uma visão diferente de quem vive décadas de matrimônio. E, ainda assim, fica a sugestão de que muitas pessoas têm em seu íntimo uma espécie de parâmetro sentimental, que sobrevive às experiências boas ou ruins (mas que não deixa de ser influenciado por elas). Não importa o quanto sofreram, não conseguem deixar de sentir esperança em um relacionamento aflito. Ou, não importa o quanto amaram, nunca deixaram de visualizar o ponto final daquele caminho. 

Cópias de expectativas e frustrações são projetadas naqueles que inspiram um mínimo de curiosidade. Cada pessoa, antes de ser fragmentada pela intimidade, é moldada aos olhos de quem a admira ou sente pena. É muito bom quando a admiração de uma obra de arte corresponde às intenções do artista, mas não há garantias desse resultado. É melhor que seja assim. Novas visões e perspectivas ajudam o mundo a ter mais graça, a fugir do mais do mesmo, o que inclui a humanidade. Pensando assim, é interessante questionar o que confere autenticidade a um trabalho diante de tantos outros semelhantes. Mas, muito além de oferecer provas de originalidade, parece mais importante uma obra fazer o espectador pensar sobre o que viu, questionar o que conhece, relembrar do que já esqueceu (assim como a última cena do filme). O sentimento de que valeu  a pena, não importa o que se veja depois. 


Digital, social e um olhar superficial

Ano passado foi o fim da primeira década 100% digital, de acordo com este artigo. E, mais uma vez, as mídias sociais estão na linha de frente. Segundo a conclusão um relatório, os blogs, e especialmente o blogger, estão sendo ultrapassados pelo microbloggings e redes sociais. Nada de novo no front. Enquanto o twitter possui a hegemonia na área dos microblogs (embora a ferramenta represente mais do que essa definição), o facebook é a maior rede social do mundo, sendo mais acessado do que o o google ano passado nos Estados Unidos e tendo o suposto objetivo de ser a primeira empresa a valer 1 trilhão de dólares. O google reage, mas a rede social ainda tem um ritmo de crescimento maior. No Brasil, ainda é superado pelo orkut (cujo domínio é do google), mas continua avançando.

Já o twitter se mostrou um canal de informação indispensável para qualquer empresa com domínio na internet, crescendo continuamente no país. Se o twitter tem seu lado fútil de usuários que divulgam qualquer atividade corriqueira (o que é inevitável), também tem seu aspecto da informação em tempo real, possibilitando um ciberativismo com a ferramenta. Quando se trata de eleições, é fundamental que o candidato obtenha o máximo de "seguidores" com seu perfil. Isso leva a observar, aqui, o quanto da população tem acesso à internet. Enquanto o IBGE não divulga os relatórios finais do Censo 2010, vale o registro do quanto o acesso à internet de banda larga cresceu nos últimos anos. A partir disso, o ideal seria estimular o uso mais produtivo dessas ferramentas pela população jovem, principalmente no que se relaciona à educação. Mas é claro que o buraco é mais embaixo nesse caso.

Então, entre ganhar seguidores no twitter ou obter um "like" no facebook, como ficam os blogs? Continuam, mas aumentando a convergência com outras mídias sociais. É necessário se aprofundar nesse ponto, principalmente se houver dinheiro envolvido. Caso não haja e o objetivo é passatempo/terapia, vale a curiosidade. Não deixa de surpreender quando se olha para trás e vê o quanto as coisas ficaram mais fáceis, mesmo não tendo ideia de tudo o que se deveria fazer. E isso apenas na internet. Quando se trata de tecnologia e aparelhos, é preciso ainda ler muito. Pelo menos aqui. Pode começar se acostumando ao fato de que muito garotos de dez anos ou até um pouco mais não reconhecem logo ou sequer sabem que existem CD's "oficiais" de bandas de música, com encarte, letras e tudo mais. Para eles, um CD é para ser gravado ou para instalar algum programa, se tanto. #otempopassa, e o melhor é "curtir" isso. De alguma forma.

Carrossel (Interferência IV)

Três meses sem postar. Trabalho, estudo, casa. Mas também já estava enchendo. Algumas coisas mudaram agora, perto do fim do ano. Mudaram até um pouco antes. Não escrevi mesmo assim. Nem era vazio de pauta: tinha assunto, faltava a vontade. E, em diversas ocasiões, também a competência. Como uma das graças aqui é não ter presença obrigatória, ficou às moscas mesmo. Tempo necessário para ler mais, aprender mais na internet, ver outros projetos, torcer pelo sucesso de alguns planos e, invariavelmente, olhar para o teto - ou para o chão - e se perguntar o que exatamente estou fazendo. Fingindo controle sobre os dados na mesa ou desafiando o relógio na parede. Junto com as respostas vieram outras perguntas, lembrando de dúvidas anteriores, e ficou a sensação de subir no carrossel e querer opções variadas de trajetos e destinos. Já estava ridículo, foi melhor se afastar um pouco. Agora, retomando o espaço, dá pra exercitar a memória e lembrar de filmes e fatos que talvez rendessem textos razoáveis (pelo menos para quem escreve). Mas fica pra depois. Por enquanto, permanece apenas a conclusão de que foi um ano movimentado. O quarto ano deste blog. E, embora tenha escrito menos (e pior) do que nos anos anteriores, continuar aqui ainda é uma vontade. Por mais algum tempo, enquanto também acompanho outros textos, prolíficos ou hesitantes. Algumas vezes, isso basta. Em outras, o melhor é rir e dar um tempo. E torcer para que tudo volte ao "normal". Se houver tal opção...

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