O pecado da discrição

Vontade não falta de dizer "não é nada pessoal", mas seria mentira. É pessoal, claro. Não há outro jeito se tratando do facebook e outras redes de relacionamento. Estamos lá porque queremos conhecer, reencontrar, confraternizar e - santo verbo - compartilhar gostos e opiniões com outras pessoas. Também há os objetivos comerciais e de mobilização social, mas a base ainda é a relação pessoal. E tem muita coisa interessante e divertida. Vez ou outra aparece uma mensagem tocante. Se a paciência esgotar, basta diminuir o acesso. Ou cancelar a conta. 

É uma questão pessoal ficar viciado ou odiar o facebook. É algo muito revelador que, para centenas de milhões de usuários, ele seja um parâmetro de vida (em campos como matrimônio e sexo, com todo o exagero inerente a eles). A plenitude de uma boa ação sendo alcançada pela divulgação aos amigos e conhecidos virtuais. Ou, ideia mais radical,  determinada atitude não ser válida se não se inserir no facebook. Talvez intimidade ainda seja considerada como tal mesmo se tornando pública. Antes era mais fácil responder a esse tipo de questionamento. Talvez porque não importasse tanto.

De qualquer maneira, chegou o ponto de saturação. Para quem já estava familiarizado com orkut, era uma questão de tempo cansaço e irritação baterem cada vez mais ao ver as atualizações dos contatos. Postagens idiotas e ridículas saem a todo momento, não importa se o usuário é novato ou não. A opção de bloquear as atualizações ou cancelar a amizade sempre existiu. Futilidade faz parte do cenário. Mas, inevitavelmente, o exagero cresce à medida que a paciência diminui (e um fato justifica o outro). 

Muitas vezes, nos últimos meses, tive que esperar fotografarem o prato que pedimos em algum restaurante antes de começar a comer. Em segundos sai a imagem de uma bela refeição e a localização de onde estamos nos servindo. Foi divertido nas primeiras vezes. Porém, ver dezenas de pessoas fazerem a mesma coisa começa a cansar. Acontece o mesmo com filmes, aulas, passeios, catequizações, paixonites, dores-de-cotovelo, a filosofia "faz parte do meu show" - e da minha desgraça. Recentemente uma colega escreveu no mural dela "tomando um vinho super bem acompanhada". Pobre acompanhante. E, claro, houve momentos em que pedi abertamente para não divulgassem nada no facebook sobre certas novidades. Cobrir meus pecados com outros pecados.

Comentando sobre uma viagem com uma amiga, ela perguntou "cadê as fotos?". Tiramos várias fotos, algumas muito bonitas. Estão na câmera, mas falta a vontade de divulgar. Não há pressa, assim como ocorreu em outras viagens. Claro que vale registrar o momento, mas é melhor que isso não seja condição para aproveitar enquanto acontece e lembrar com carinho quando já passou. Parece uma ideia romântica, e das brabas, mas é por aí mesmo.  Lendo um texto sobre como as pessoas se conectam às redes sociais, lembrei de um amigo que encontrei em um congresso internacional. Contou-me muitas novidades: o doutorado na França, as viagens que fez durante os estudos, os momentos em que por falta de dinheiro ou outro alimento teve que abandonar o vegetarianismo, etc. 

Lembrando desse encontro, vem uma conclusão interessante: a sensação agradavel e reconfortante de saber de um amigo fora da internet. E eu não sou um cara muito sociável. Mas também não sou popular e, ainda assim, já me cobraram mais participação no facebook. Faz sentido, assim como faz entender que o facebook é uma rede que visa aproximar seus usuários, mas pode reforçar segregações (as acusações de orkutização do instagram, por exemplo). É natural a ideia de que um perfil no facebook seja uma compilação de melhores momentos da vida real (embora muitos divulguem fatos constrangedores e até dolorosos, o que não impede de receberem um "curtir" dos amigos). O problema é quando cada simples momento passa a constar desta seleção. Além de ser uma postura enganosa, afasta a noção de que perder a referência de simplicidade também faz perder a de excepcionalidade. 

Mesmo enjoado e perdendo moral no texto,  não pretendo sair do facebook. Alguns dos motivos estão no primeiro parágrafo. Tem muita coisa que gosto, apenas não estão superando o que é irritante. Melhor dar um tempo. Ser moderado, inclusive na hora de gostar dos outros. Aproveitando o lançamento de uma música, bom lembrar que essa cultura de curtir, gostar e fingir que é perfeito tem seu lado bom, mas também muito de pose. Pode mascarar o oposto. Reconhecer pontos de caos e discórdia, incluindo os próprios, ajuda no seu controle.  

Um comentário:

Repórter de Sandálias disse...

Estava com saudades da tua boa escrita, da fluência que faz parecer uma conversa e do humor ácido...
O texto me lembrou um ditado popular: "se não pode ir contra eles, junte-se a eles". O velho dilema: apocalípticos ou integrados! Eu prefiro me integrar, reconhecer os pontos positivos e criticar os negativos. se não pode ir contra eles, junte-se a eles. Eu prefiro me integrar, reconhecer os pontos positivos e criticar os negativos. Vc fez isso bem!
:)

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