Escuridão, câmera, reação

Sendo impossível fugir da comparação de Atividade Paranormal com A Bruxa de Blair, o melhor mesmo é investir na análise das semelhanças e diferenças entre os dois trabalhos, começando pela natureza dos bastidores. A primeira e mais evidente característica é o fato de serem filmes de terror produzidos a um custo extremamente barato para os padrões de Hollywood e, apoiados em uma intensa campanha de marketing pela internet, arrecadarem uma bilheteria milhares de vezes maior que seus valores de custo. A segunda semelhança é a utilização de uma câmera digital, de uso doméstico, registrando momentos cotidianos e, com isso, inspirar realismo à trama e justificar o baixo orçamento do filme. A terceira característica em comum também reflete os valores modestos das produções: a contratação de atores desconhecidos atuando praticamente em um único cenário, reforçando ainda mais os contornos realistas das filmagens, supostamente encontradas após os eventos mostrados na tela.

Quanto ao enredo, há também algumas analogias. Em ambos os filmes, é possível ver os personagens inicialmente em momentos descontraídos até desabarem de tensão com os perigos do ambiente. Mas, ao contrário de filmes neo verité como [REC] e Cloverfield, onde as pessoas subitamente se deparam com uma ameaça a ser registrada pela câmera, os personagens de A Bruxa de Blair e Atividade Paranormal inicialmente demonstram curiosidade e interesse pelo mal em questão e procuram saber mais sobre ele. Mesmo alertados por coadjuvantes para não provocarem a tal entidade maligna, eles, por curiosidade ou desrespeito, insistem em pesquisar e querem tudo registrado nas câmeras. Nos dois filmes também é possível ver ocorrências inexplicáveis que gradualmente vão adquirindo contornos sobrenaturais até se configurarem como ameaças físicas e reais. Pequenas esculturas de madeiras em A Bruxa de Blair ou um objeto fora de lugar em Atividade Paranormal são eventos sem importância na hora que surgem, mas agem como prenúncios de aflições cada vez maiores, provocadas por um ser que nunca é mostrado, apenas insinuado.

Aliás, este é o mérito de ambos os filmes. Mostrando seus protagonistas como pessoas curiosas, depois hesitantes e, por fim, desesperadas com as hostilidades sofridas, as duas obras investem em um estado de tensão cada vez maior à medida que os personagens começam a discutir entre si (embora nunca deixem de filmar) e não conseguem entender a natureza da ameaça que os cerca, ainda que ela esteja cada vez mais perigosa. Durante o dia, é possível ver como estão cansados, confusos e com medo da noite. E justamente durante a noite os filmes entregam os momentos mais assustadores, pois é quando as entidades antagonistas costumam agir: quando os personagens mais vulneráveis, estejam acampados em uma barraca ou dormindo na cama. E os espectadores estão acompanhando todos os momentos, também ignorando o que pode acontecer ou a razão do que pode acontecer, mas sabendo desde o início que a tendência é piorar.

Mas também há diferenças importantes entre os dois filmes. Como foi lembrado em um texto anterior, A Bruxa de Blair foi pioneiro no uso da internet para estratégia de marketing, além de investir fortemente na divulgação de que se tratava de acontecimentos verídicos. Por isso, além da internet, também foi importante o boca-a-boca daqueles que assistiam ao filme e comentavam o terror que os estudantes atravessaram antes de desaparecerem naquela floresta. Já Atividade Paranormal, em tempos de internet banda larga, dominada por Google e YouTube, apadrinhado por Steven Spielberg e, principalmente, lançado numa época pós-A Bruxa de Blair e outros filmes de estilos semelhantes, soube exatamente como ser promovido. Não é à toa que, em todas as matérias sobre o filme, sempre é comparado ao filme de 1999. Mais dados podem ser vistos aqui.

Além do uso mais consciente do marketing pela internet, há também diferenças fundamentais no próprio roteiro dos dois filmes. Embora ambos tratem de pessoas comuns munidas de uma câmera enfrentando uma adversidade que não compreendem, num clima de tensão e nervosismo cada vez maior, o tratamento dado aos personagens difere consideravelmente de um filme para o outro. Em A Bruxa de Blair, são três estudantes de cinema que são colegas, mas não exatamente melhores amigos, perdidos em uma floresta da qual não conseguem sair. Exaustos e com fome, não demora para que comecem a brigar entre si, embora se agarrem uns aos outros por saberem que não há mais ninguém por perto. Já Atividade Paranormal apresenta um casal de namorados bastante unido, morando em uma confortável casa, recebendo a visita de amigos. Ou seja, enquanto A Bruxa de Blair também angustiava por mostrar personagens de personalidades diferentes entrando em conflito e isolados em uma floresta, Atividade Paranormal não consegue obter o mesmo efeito de divergência e claustrofobia  simplesmente porque fica evidente que os seus protagonistas já tem uma dinâmica estabelecida e podem pedir ajuda a qualquer momento. Mesmo que em determinado momento alguém diga ao casal que sair da casa não resolveria o problema, é de se supor que, diante de evidências cada vez mais fortes de perigo, o instinto básico é abandonar o lugar e pedir ajudar para alguém confiável.

Outro detalhe é o uso da câmera. Em A Bruxa de Blair, fica claro que a estudante de cinema insiste em gravar todos os momentos como uma maneira de se manter tranquila, de não se entregar ao desespero, como se olhar através da lente fosse uma prova de que toda aquela situação é uma ficção que acabará em algum momento. Aliás, é justamente por este motivo que, em determinada cena, a estudante é filmada por um revoltado colega, que profere um humilhante discurso enquanto manuseia o equipamento para não perder nenhuma lágrima da jovem. O rapaz de Atividade Paranormal, por sua vez, demonstra um interesse quase infantil pela câmera, apesar da namorada reprovar fortemente a ideia (o que não a impede dela mesma filmar quando o namorado está ocupado com outras coisas referentes às atividades paranormais).  A câmera acaba se tornando um personagem próprio, já que, ao contrário do que aconteceu com os estudantes na floresta, ela registra momentos que os personagens não presenciam. A câmera passa a ser o olhar apenas do espectador. Talvez seja este o motivo de constatar que A Bruxa de Blair é mais eficiente na construção do clima de terror e tensão ao longo da narrativa, enquanto Atividade Paranormal se sai melhor com o medo provocado em determinados momentos: a importância de manter um equilíbrio entre o que os espectadores e os personagens do filme conseguem visualizar ao mesmo tempo e o que apenas um dos lados enxerga de fato. O poder de insinuar, de sugerir, de nunca mostrar explicitamente é a base de um temor humano básico: o medo daquilo que não se compreende, apenas o bastante para saber (ou imaginar) que ele tem a intenção de fazer mal.

2 comentários:

Repórter de Sandálias disse...

Não assisti Atividade Sobrenatural, somente A bruxa de Blair e o Cloverfield, que podem ter um milhao de defeitos, mas, vamos combinar, se a intenção é provocar suspense, tensão e prender a atenção do espectador, eles fizeram direitinho... Bjs

CrápulaMor disse...

Eu já tinha interesse em ver este filme, agora o interesse aumentou. Vi muita gente elogiando, e muito gente condenando. Parece que há questionamentos a serem feitos ao filme, mas vale à pena assistir. Achei REC excelente! Bastante assustador.

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