Uma versão entre muitas

Quando um filme antecipa as primeiras conclusões de um espectador e a narrativa se aproveita disso, é preciso cuidado. Um recurso comum é quebrar a quarta parede e fazer piada da própria previsibilidade. Outro, menos visto, é investir no surreal ou no absurdo da história, justificando suas reviravoltas.  Bem amarrado ou não, o uso do humor, do suspense ou da provocação de uma mera curiosidade para instigar o público a entender a estranheza do que vê na tela não é tarefa fácil. Dispensar todos esses recursos e manter a capacidade de seduzir é, portanto, ainda mais agradável de se ver.

A distinção entre original e cópia e o valor de um correspondente ao detrimento da outra parecem ser o tema principal de Cópia Fiel. Bijuterias podem ser tão práticas e bonitas quantos joias verdadeiras, mas o valor de uma obra de arte genuína aumenta na medida em que surgem imitações. Então, a cópia teria uma merecimento próprio. Não somente arte material, mas abstrações e pensamentos. E quando o escritor James Miller solta que a importância de uma obra, ou melhor, uma manifestação artística é menos atribuída por sua autenticidade do que pelo olhar de quem a julga, é o primeiro vislumbre de um jogo de representação se aproximando. E se uma breve conversa entre mulheres é o seu ponto de partida, também pode ser a constatação de que o enlevo do filme já se formava desde o início tecnicamente belo e transparente da projeção, mas é sedimentado quando os protagonistas extrapolam o que se acompanhou até ali. Se a peça começou, acabou ou apenas se prolongou ao revirar os papeis (e seus atores sociais) em um desdobramento quase inverossímil, mas que não se assume como falso, é uma indagação que acompanha o jogo de cena no filme, questionando o que seria real, o que seria cópia e, por fim, se haveria uma relação de fidelidade entre eles.

O óbvio pode ser brilhante se quem o abriga tiver reconhecimento acima do trivial. Em outras palavras: dependendo de quem fala, a mesma mensagem adquire tons diferentes. E, dependendo de quem vê, assume aspectos ainda mais variados, que podem influenciar quem falou em primeiro lugar. É uma maneira reduzida de dizer que não há controle na produção de sentido na comunicação - e a Comunicação, assim como outras ciências sociais, é permeada por estudos desse tipo. O tom supostamente sério desse texto pode adquirir outro significado se for revelado que o autor tem atravessado períodos de insônia e algumas preocupações, tentando disfarçar tudo em uma escrita prolixa e enfadonha ou revelando que é tudo uma grande piada.  Mas, claro, o filme aborda sua aparente falta de controle sobre sua mensagem de uma maneira muito mais abrangente, alcançando mais que comunicólogos e artistas. Na verdade, adota uma abordagem praticamente universal: o efeitos do tempo e do amor sobre duas pessoas. É então que as diferenças entre originais e cópias artísticas perdem o espaço principal, embora não desapareçam da história.

O que se sente exatamente diante da presença de um casal belo de se ver?  E o que muda quando o casal é nosso íntimo? A provável resposta é: depende de quem vê. Jovens apaixonados têm uma visão diferente de quem vive décadas de matrimônio. E, ainda assim, fica a sugestão de que muitas pessoas têm em seu íntimo uma espécie de parâmetro sentimental, que sobrevive às experiências boas ou ruins (mas que não deixa de ser influenciado por elas). Não importa o quanto sofreram, não conseguem deixar de sentir esperança em um relacionamento aflito. Ou, não importa o quanto amaram, nunca deixaram de visualizar o ponto final daquele caminho. 

Cópias de expectativas e frustrações são projetadas naqueles que inspiram um mínimo de curiosidade. Cada pessoa, antes de ser fragmentada pela intimidade, é moldada aos olhos de quem a admira ou sente pena. É muito bom quando a admiração de uma obra de arte corresponde às intenções do artista, mas não há garantias desse resultado. É melhor que seja assim. Novas visões e perspectivas ajudam o mundo a ter mais graça, a fugir do mais do mesmo, o que inclui a humanidade. Pensando assim, é interessante questionar o que confere autenticidade a um trabalho diante de tantos outros semelhantes. Mas, muito além de oferecer provas de originalidade, parece mais importante uma obra fazer o espectador pensar sobre o que viu, questionar o que conhece, relembrar do que já esqueceu (assim como a última cena do filme). O sentimento de que valeu  a pena, não importa o que se veja depois. 


Um comentário:

Entrelinhas disse...

Esse post me lembrou a Rosaly falando: "é o simulacro do simulacro" da contemporaneidade... rsrsrs! Bjs, querido!

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