Atuações e intenções

Marco Ricca, diretor do filme Cabeça a Prêmio (inspirado no livro de Marçal Aquino, que comentei brevemente há mais de um ano), disse em um encontro com público e crítica que não quis se prender muito à obra original, pois um filme por si só já é algo bastante diferente. Disse também que fez questão de trabalhar com atores famosos. Ele vê um preconceito contra artistas conhecidos na televisão, onde o público ou vê a fama inversamente proporcional ao talento ou se recusa a acreditar em papéis fora do estigma estabelecido no imaginário do telespectador (Tony Ramos, por exemplo, tentou fazer um papel de vilão e não deu muito certo). Como adaptação cinematográfica é um assunto recorrente (e até enjoativo) por aqui, melhor se concentrar na outra parte do discurso: a fama alcançada na televisão e que, às vezes, acaba engessando os atores.

O diretor disse que queria dar tempo aos atores, deixá-los respirar em cena, planos sem pressa. Decisão muito natural,  lembrando que Ricca tem formação como ator e é sua estreia na direção. E ele sabe que, para trabalhar com as sutilezas na expressividade de um ator, o melhor campo é o Cinema. Sim, Teatro exige imensa dedicação do intérprete e geralmente é a base dos atores mais talentosos, mas, devido à distância física do palco e à perspectiva única de visão que tem o público, é preciso se apoiar muito nos gestos e na linguagem corporal para o desenvolvimento da atuação. Já a TV precisa ter um ritmo rápido e popular para não ficar atrás das emissoras concorrentes, então não há espaço para longos planos e para o silêncio. E era justamente nisso que Ricca queria trabalhar ao lado dos atores escolhidos. Por exemplo, Eduardo Moscovis entrou em contato com Ricca e pediu um papel no filme. Não foi aceito de imediato, mas acabou entrando. Conforme as gravações corriam, decidiram que o personagem seria cada vez mais silencioso. E Moscovis fez um trabalho surpreendente ao mostrar seu assassino geralmente calado, mostrando apenas suas linhas de expressão (também é preciso abandonar a vaidade) e seu olhar de dúvida, raiva, tristeza ou cansaço. Um trabalho que dificilmente teria espaço na TV aberta, principalmente em telenovelas. Como disse o roteirista João Emanuel Carneiro: "Você escreve uma cena em que o personagem tem que dizer 'Eu te amo'. Existem mil maneiras de dizer 'eu te amo' sem ser tão evidente, sem sublinhar tanto a frase (...). No cinema, há outros recursos para transmitir o clima, as intenções. Na TV, as intenções precisam estar presentes no texto".

Claro que não se trata de um ataque contra a televisão, nem de dizer que boas atuações só existem no cinema ou teatro. Glória Pires, Patrícia Pillar, Cláudia Abreu, Tony Ramos, Luis Mello, entre outros atores mais conhecidos pela TV, oferecem ótimas interpretações. Mas gente que veio do teatro ou do cinema (ou que migra da TV para estes meios) parece ter mais chance de ser versátil e, consequentemente, apresentar trabalhos mais intensos. Dira Paes, Alice Braga, Wagner Moura, Lázaro Ramos, Caio Blat, João Miguel, entre tantos outros. Por isso, foi bom ver Marco Ricca investir nas possibilidades que o cinema oferece à interpretação, ainda que Cabeça a Prêmio apresente alguns problemas, principalmente na sua estrutura. Mas, como foi dito antes, melhor deixar pra lá mais comentários sobre o filme e terminar lembrando como é bom ver uma boa atuação, seja em TV, Teatro ou Cinema.

2 comentários:

CrápulaMor disse...

Pra ator de TV, fazer cinema deve ser um trabalho de luxo. Realmente, o ator tem pouquíssimo ou nenhum espaço pra estudar, elaborar e trabalhar as nuances na televisão, já no cinema são exatamente estas nuances que são valorizadas.

Repórter de Sandálias disse...

Pois é, concordo com o Crápula, mas acho que tem ator que tb faz TV e que é mto melhor no cinema. Acho que isso acontece pq as TVs, principalmente as tvs abertas, estão mto sujeitas a padrões editoriais. O teatro e o cinema dão mais valor ao experimentalismo. O próprio público de cinema e teatro espera inovação. O de TV, não, espera o lugar comum. Lembra da minisérie "Hoje é dia de Maria"? Fantástica, totalmente experimental, que misturou técnicas de cinema e teatro, mas teve uma aceitação de públlico reduzida, pois o povo que é povo não ta acostumado a ver isso na tv aberta... sei lá, acho q é isso!!

Bjs

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