Abrangente

Há uns dias terminei um livro. Boa história, mas a estrutura lembrava um roteiro cinematográfico. Depois pude verificar: o autor realmente já havia feito o tratamento do roteiro de alguns filmes. Bons filmes, por sinal. Ser bom roteirista não o desqualifica como autor de livros, claro. Mas talvez as duas áreas estejam em conflito em vez de se complementarem. Foi a minha impressão, mesmo não sendo roteirista ou escritor. Tentar ser leitor atento, creio, me dá algum crédito.

Essa necessidade de visualização cinematográfica me ocupou a mente no último mês, desde as últimas
declarações de Alan Moore sobre cinema e quadrinhos. A "diluição da imaginação coletiva" provocada pelas adaptações de obras literárias para o cinema faz parte da postura sempre radical de Moore. Mas não deixa de ter razão em certos pontos. De uma forma ou de outra, sempre construímos visualmente o enredo de um livro durante a leitura. Ou mesmo quando apenas ouvimos a história. Mas ler já esperando pelo filme ou ter a iniciativa de ler a obra somente após vê-la adaptada para o cinema não é bom sinal. Quadrinhos e cinema são artes que dependem da imagem para existir. E a imagem é sempre atraente. Mas esperar sempre por ela ou julgá-la incessantemente necessária significa minar a imaginação da leitura.

Moore diz que sua obra Watchmen é "inerentemente infilmável". Existe alguma obra que não possa ser adaptada para o cinema? Seria o caso de definir exatamente o que é adaptação. Vários teóricos e leigos já discutem sobre o tema. Não é um ataque contra o cinema ou um manifesto a favor dos livros. Não chegar nem a ser um lamento, já que ainda me divirto bastante nessa cultura (espero ansiosamente o filme de Watchmen). É uma constatação, mais abrangente e talvez ainda mais desnecessária, da necessidade de sempre se fazer conhecer pelos outros. Natural, muito natural querer ser reconhecido, alimentar a auto-estima. Mas sabendo que há cada vez mais livros que parecem roteiros de filmes, quadrinhos que mais lembram storyboards, fotos cujo objetivo principal acaba sendo a exibição em sites de relacionamento em vez de servir como boa recordação e outros casos, é de se questionar quantos ainda gostam da atitude de mostrar menos e instigar mais.

Um comentário:

CrápulaMor disse...

A leitura (a Cultura letrada) provocou a racionalização do homem ocidental moderno. Veja que o Alfabeto ocidental, que induz à leitura da esquerda para a direita, acentua duas características do hemisfério esquerdo do cerébro: sequência e tempo. A mente do sujeito moderno, enquadrada pelo Alfabeto ocidental, vê um espaço objetivo, racionalizado e subjulgado a uma lógica temporal de progresso e dominação. São os meios eletrônicos e digitais que estão resgatando a oralidade, fazendo convergir texto, audio e video. Isso implica toda uma reestruturação do homem contemporâneo, e da nossa percepção de tempo e espaço. O Alfabeto oriental, por outro lado, acentua funções do hemisfério direito do cérebro, e sempre valorizou as configurações visuais e o contexto.

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