Baseado em...

Quando vi O Falcão Maltês pela primeira vez (foi lançado no Brasil com o título de Relíquia Macabra), gostei muito e só aumentou mais a vontade de ler o livro. Após descobrir um exemplar num sebo, revi o filme. Mesmo ciente das diferenças entre as duas linguagens, entre palavras e imagens, do beco sem saída ao comparar as lacunas para a imaginação da literatura com as novas dimensões propostas pelo cinema, senti mais reserva em relação ao filme. Uma reação natural, não se pode ficar indiferente diante do contentamento provocado por uma obra.  Haverá comparações. É uma resposta saudável, principalmente se as versões audiovisuais estimularem a procura pelas obras originais, como foi o caso das séries de TV Hilda Furacão e Os Maias. O resultado não é apenas a possibilidade de comparação, mas um enriquecimento cultural válido independentemente da qualidade de livro ou filme.

Ainda que as adaptações sejam formuladas para um público padrão para aumentar as chances de lucro, roteiristas e diretores não deixam de fazer uma leitura pessoal da obra original e transmitem isso no resultado final. O roteirista da versão cinematográfica de 2002 de O Conde de Monte Cristo disse que sempre achou que Edmond deveria ser o pai do filho de Mercedes. Pode ser clichê, mas era a opinião dele. Até em adaptações que buscam extrema fidelidade ao texto original apresentam toques próprios do diretor/roteirista. A versão cinematográfica de 1996 da peça Hamlet, dirigida por Kenneth Branagh, é conhecida por ser o primeiro filme a usar o texto de Shakespeare na íntegra (por isso as quatro horas de duração do longa), mas apresenta cenas somente descritas mas não interpretadas na peça original (como a infância de Hamlet ao lado de Yorick, cujo crânio é motivo do mónologo sobre a morte proferido pelo príncipe) ou apenas implícitas no texto da peça, como a relação sexual de Hamlet e Ofélia.

Ter consciência destes fatores e escolhas pode ajudar a apreciar um filme, mas o melhor mesmo é ainda lembrar que cinema e literatura são campos diferentes. Como Alan Moore disse em entrevista para a Trip, "a coisa ruim das adaptações feitas a partir de literatura, por exemplo, é que elas inevitavelmente perdem a voz do autor, o jeito que ele usa as palavras", o que não implica em repudiar qualquer adaptação, mas vê-las como são em primeiro lugar: como filmes, antes de serem baseados em qualquer outra mídia. O Silêncio dos Inocentes, Cidade de Deus, a trilogia O Senhor dos Anéis, Onde Os Fracos Não Têm Vez, Perfume - A História de um Assassino e Filhos da Esperança são ótimos filmes, independentemente de serem adaptações de livros. Da mesma forma, Carandiru, Tróia, O Código da Vinci, Guerra dos Mundos (2005), A Bússola de Ouro e alguns filmes do 007 são medíocres na tela, sejam eles bons ou não como livros.

Dito isto, por que é tão comum a sensação de que o livro é melhor que o filme? Possivelmente porque as palavras estimulam imaginação, os livros não têm tanta preocupação com a faixa etária do público nem precisam ficar preso a uma média-padrão de páginas, enquanto filmes precisam prestar muita atenção a censura e se encaixar a história em duas horas. Mas a principal razão mesmo é porque são campos diferentes, perde-se a prosa, o estilo do autor que conquista o leitor. Apesar de reconhecer a diferença entre as mídias, estou tentando lembrar de filmes que possam ser mais cativantes que os livros e não lembro de nenhum, o que prova que eu preciso ainda ler mais livros e assistir a mais filmes. Já li comentários dizendo que o filme O Iluminado, de Stanley Kubrick, é melhor que o livro ou que Os Pássaros, de Hitchcock, é superior ao conto. Mas não importa muito se não se conhece a obra original ou pior: não incita curiosidade alguma sobre o tema proposto.

2 comentários:

CrápulaMor disse...

As obras literárias sempre permitem um maior aprofundamento da trama, dos personagens, dos conflitos. Talvez seja impossível atender todas as expectativas, quando vemos a mesma obra ser retratada no cinema. Em compensação, na minha opinião, a experiência audio-visual pode ser mais rica, ainda que esteja inserida em um contexto comercial mais selvagem e tal. De qualquer forma, deve-se adotar posturas diferentes diante destas duas mídias. Tem razão.

Anônimo disse...

já eu acho que, sem dúvida alguma, ler dá um barato bem maior. É como comparar um resumo de artigo ao artigo em si.

Mas é preciso exercitar a leitura para que a sua imaginação seja rica em detalhes ao ponto de você fechar os olhos e ver, ouvir e sentir o mundo que um livro e ajudou a criar.

Bem na verdade, um filme nunca me superou.

Seguidores