"Um jovem usando uma máscara de gás transita em uma cidade vazia e cinzenta"
É a sinopse do curta-metragem Quarto de Espera, resultado de um trabalho de conclusão de curso da PUC-RS no ano passado. Já ganhou alguns prêmios e vem sendo exibido em festivais pelo Brasil. Apesar de ser normal neste tipo de espaço aparecerem histórias bastante subjetivas, em formato experimental, de conteúdo impreciso, achei difícil o filme usar seus 12m30s apenas para mostrar o tal homem da máscara caminhando por ruas desertas e sem cor.
De fato, outras coisas acontecem. Outros personagens aparecem. A fotografia e produção da cidade vazia são impressionantes. Ao final do filme, muitas questões ficaram em aberto. Por que alguns personagens agem daquela maneira? Qual a razão de alguns confrontos? O que a a máscara de oxigênio representa? E o homem do aspirador de pó? Na sala, comentei que o estilo do filme lembrava o David Lynch: uma história surreal, geralmente de aspecto sinistro, que nunca fornece uma conclusão imediata (e muitas vezes, sequer plausível). Lá com os meus botões, imaginei algumas interpretações do filme. A máscara - que imediatamente me lembra o vilão Psycho Mantis, do jogo Metal Gear Solid - seria uma representação da perda gradativa da humanidade do protagonista. O formato dela lembra algum animal, uma mosca, ou até um rosto alienígena. A respiração é ruidosa e pesada, lembrando barulho de máquina. O protagonista, ao seu modo, tenta manter a ordem local. Talvez a máscara fosse um símbolo de poder ou uma consequência do fato da cidade estar vazia. Ou apenas o resultado de mais um confronto.
Quando o diretor subiu à mesa de debates, vieram as perguntas. É um mundo pós-apocalíptico? Era uma leitura, mas também podia ser o mundo atual. Ok. Por que as pessoas entravam em confronto? Não havia uma resposta definitiva, mas ele gostava de pensar que era por simplesmente não conseguirem mais conversar. Certo. E os outros personagens, também peculiares, que faziam? Eram da cidade, passavam por ali. Muito bem. E a máscara industrial de oxigênio, o chamariz do filme, o aspecto mais instigante da história, como ela surgiu no roteiro? Bom, o personagem poderia não estar usando máscara alguma, mas o seu uso poderia ser um efeito da poluição do meio ambiente. Poderia...
Saí da sala lembrando de uma declaração da sobrinha do diretor Alfred Hitchcock ao making-of de um de seus filmes. Disse que, durante suas aulas de cinema, quando os professores passavam algum trabalho sobre o mestre dos filmes de suspense naquela época, ela ia pedir ajuda do tio. Ao apresentar as discussões e conclusões dos professores, fornecendo interpretações sobre muitos aspectos de seus filmes, a moça escutava do diretor: "de onde vocês tiram essas coisas?". Então ele dizia que não era nada daquilo que estava querendo dizer. Quando ela entregava o trabalho, recebia a avaliação "bom, mas incompleto". E Hitchcock, sem poder fazer muita coisa, apenas dizia que sentia muito.
É prazeroso descobrir as pistas e simbolismos de um filme, principalmente quando eles não estão muito evidentes - como em muitos famosos filmes europeus da década de 50 e 60. É até divertido. Alguns são exemplos clássicos da escola, como a crítica ao modelo fordista e as considerações sobre o cinema falado em "Tempos Modernos" ou o poder da igreja e o impacto da escrita em "O Nome da Rosa". Mas há alguns filmes que têm cenas que simplesmente não fazem sentido aparente e é preciso forçar a imaginação e a memória para entender o seu significado ou então aceitar que o objetivo não é fazer sentido algum mesmo. E ainda assim, é possível continuar tentando entender, mesmo com a sensação de estar procurando pêlo em ovo (ou fazer papel de idiota). Sempre lembro de 2001 - Uma Odisséia no Espaço nessas horas. O mais recente exemplo foi o brasileiro Mistéryos. Mas, ao contrário do filme de Stanley Kubrick, esta obra não faz esforço algum para ser memorável. Se fez, a resposta saiu errada. De qualquer forma, mesmo que não compreendamos os objetivos, referências e metáforas do filme, ainda é muito bom quando surgem dúvidas que fazem pensar. E é melhor ainda rever o filme e descobrir novas evidências: somente mês passado reparei na cena em que o filho do protagonista de Corpo Fechado assiste ao desenho "Meninas Superpoderosas", uma paródia de superheróis. E superpoderes são um dos temas do filme. Tenho quase certeza de que não foi à toa. Quanto mais sutil, menor a certeza. E mais agradável a sensação de perceber pela primeira vez.
3 comentários:
Esse teu post me lembrou aquele techo do Fabuloso Destino de Amelie Poulain em que ela diz que gosta de perceber nos filmes os pequenos detalhes que passam despercebidos a mtas pessoas e aí aparece uma formiguinha no plano de fundo de uma cena do Casa Blanca...
Sobre essa perspectiva non sense x interpretação subjetiva, me lembro do nacional O Cheiro do Ralo. Eu assisti e amei, achei super filosófico e cheio de crítica social, daí encontrei a minha tia e ela disse: "Poutz, hj tive o azar de assistir um filme horrível, totalmente idiota e sem sentido: O Cheiro do Ralo ou algo assim"... Rsrrsrs!! Acontece.
onde posso encontrar esse filme?
...
A capacidade que o ser humano tem de se frustar é imensa.
Por que as pessoas necessitam tanto fazer a temível pergunta: "o que você quis dizer com isso?". Para se frustarem, é lógico. Sejam com pinturas, filmes ou esculturas, por que temos tanta preguiça de interpretar e tirar nossas própria conclusões? Por que nos importamos tanto com que os outros tem a dizer?
Se um crítico de cinema disser que o filme é ruim, então eu não vou ver? É claro que não. vou ver e direi o que eu acho. O mesmo com um tipo de comida; pelo menos vou lá olhar e dar uma cheirada, mas nunca evitaria totalmente só por que me disseram que a comida não prestava.
Do mesmo modo penso que um filme, depois de feito, não pertence mais ao diretor ou produtor e sim aos espectadores. E nós fazemos o que quisermos dele. Achamos ruim ou achamos bom. O produto entregue, o filme, tem a minha interpretação. Cenas deletadas ou making Off são coisas boas pra quem quer esmiuçar a parte técnica e não para ver como o filme poderia ter sido ou pra estragar a magia daquilo que eu vi.
Vamos deixar de lado esse negócio de precisar saber as motivações de um diretor e começar a nos preocupar em quais são as motivaçoes dos personagens dos filmes. Eles sim tem algo a dizer.
Você não pergunta (ou não deveria perguntar, na minha opinião) pra Deus a razão de Eu fazer isso ou aquilo, você pergunta isso diretamente a mim.
Bom, no final das contas, tudo se resume a uma questão de subjetividade nessa questão mesmo. Não importa o nível de conscientização, percepção, informação, inteligência ou coisas do tipo. Alguém pode gostar ou não. Por que? Só a pessoa entende. E isso inclui seu próprio criador. Tanto por isso que cada pessoa irá tirar conclusões próprias e únicas de cada filme, nem que a conclusão seja de que não há nada para se aprender dali. E é justamente essa diversidade que faz as coisas serem prazerosas. Senão não teria graça alguma estraçalhar Homem-Aranha 3 pra alguém que disse que gostou do filme. :D
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