Lista de chuvas

Depois de dias sem ver uma gota cair do céu, perguntei a alguns amigos se já haviam visto algum filme com uma cena de chuva memorável (para eles, claro). Um respondeu a primeira luta do filme chinês Herói, outro respondeu o clima da guerra em Forrest Gump, mais alguém disse que achava cenas com chuva clichês, mas lembrou do encontro sexual em Match Point. Interessante ver como quase todas as respostas revelam a personalidade do espectador: enquanto um se envolve rapidamente com uma luta, outro se identifica mais com romance, um terceiro com suspense, etc. Ao verem outras alternativas de cenas de chuva, concordavam que eram bons exemplos, mas não eram tão marcantes para eles. Claro que tem a ver com o contexto da cena e da própria pessoa. Lembro bem da sessão de O Tigre e o Dragão não pela qualidade da obra, mas porque cheguei totalmente molhado da chuva que caía na cidade. Entrei na sala deixando um rastro de água atrás. Não gostei muito do filme, mas foi memorável pelo frio intenso que senti com o ar condicionado.

Para mim, os filmes abaixo foram marcantes não somente pelas cenas de chuva ou por fatores exteriores à tela (exceto o último Matrix). Alegre ou triste, frio ou calor, sempre admiro a qualidade deles. E as cenas de chuva, clichês ou não, sempre ecoam na minha memória. Respostas revelando personalidade. Por aí.

Matrix Revolutions: a chuva é puro capricho para os efeitos especiais na luta final, com as gotas d'água sendo varridas pelas ondas de impacto causadas pelo choque dos golpes. Ficou muito bem feito. Pelo resultado, os irmãos Wachowski até hoje são apontados por muitos fãs como as melhores opções para dirigir um filme do Superman ou Dragonball. Mas estes personagens tomaram rumos esquisitos no cinema. Não fizeram sucesso. Bom sinal.

Se7en: o detetive interpretado por Brad Pitt é encurralado pelo assassino. Neste momento, a atitude do criminoso diante do policial parece ser o início do preparo para o último crime capital planejado. O personagem de Pitt não é capaz de reagir e é largado no chão, num beco onde a chuva parece fazer parte da sujeira e fragilidade julgadas pelo assassino.

Os Donos da Noite: uma perseguição de carros mostra que os personagens reagem não por serem heróis, mas por fazerem o que uma pessoa desesperada faria em situação semelhante: buscar proteção, a menos que algum ente querido esteja em perigo. Se for o caso, é preciso fazer alguma coisa, mesmo com a chuva atrapalhando, mesmo que tudo aponte para a tragédia.

Extermínio: não chove há dias na Londres devastada por um tipo de vírus que transforma as pessoas em criaturas irracionais e violentas. Quando volta a chover, os humanos sadios, incluindo o protagonista, não são muito diferentes dos infectados quando não há um sistema social a seguir. Em tal cenário, a sobrevivência é vinculada à destruição dos obstáculos.

Estrada para a Perdição: o diretor Sam Mendes usou a chuva na conclusão do seu primeiro trabalho, Beleza Americana. O mesmo acontece no confronto definitivo neste filme, adaptado de uma hq. Oculto pelas sombras e pelo temporal (como muito perigos na vida real), o protagonista realiza sua vingança sem glória.

Casa do Gilson, Nossa Casa: quem conhece Belém sabe que a chuva é parte da cidade, indo além de uma característica climática e sendo praticamente uma personagem de alegrias e desaforos. Neste documentário de Chico Carneiro sobre a casa famosa por suas apresentações de choro e samba, há partes em que simplesmente se vê as ruas e praças desertas recebendo as gotas. Nessas horas, como bem sabe quem conhece o lugar, vem a sensação de que todos viram coadjuvantes enquanto a chuva e a cidade assumem o lugar principal do dia.

O Fundo do Coração: em filmes de amor, cenas de chuva geralmente são associadas àquelas pequenas e arrebatadas discussões que terminam com uma epifania coroada por um beijo apaixonado. Francis Ford Coppola, em seu trabalho seguinte a Apocalypse Now, mostra o outro lado. Não ligar para a chuva ao pensar numa pessoa nem sempre signfica alegria. Romance também é tristeza. Silêncio. É belo também por isso.

Um Sonho de Liberdade: a fuga da prisão de Shawshank. Embora poucas pessoas gostem de serem encharcadas pela chuva, o total impedimento desta possibilidade é pior. A idéia de liberdade deve estar presente, mesmo que não seja realizada. O isolamento provavelmente muda a concepção de quem ignora gotas de chuva, vento no rosto, pôr-do-sol e outros fênomenos. Chuva como liberdade e redenção pode soar batido. Mas antes ser piegas que impossível.

Blade Runner: o replicante Roy Batty supera seu algoz em todos os sentidos possíveis. Força física, agilidade, provocar medo, sentir compaixão. Mas a maior vitória é justamente aceitar seu fim sem oferecer mais resistência, lembrando o que ele já presenciou e o que os humanos provavelmente não verão. Walter Benjamin apitando: se o momento da morte é o auge da experiência narrativa que um homem pode transmitir, a frase "tears in rain" é um dos melhores exemplos. Principalmente por não se tratar de um humano. Pelo menos no sentido biológico.

Cantando na Chuva: não gosto muito de musicais, mas é difícil ficar indiferente a este. Talvez porque, enquanto a maiorias das cenas de chuva listadas representam um momento ruim para o personagem, aqui acontece o oposto. É felicidade pura. Letra, coreografia, atuação (e Gene Kelly estava ardendo em febre quando fez a cena). Talvez uma felicidade muito inocente, própria do gênero e da época. Difícil outro momento tão carregado de alegria num filme (ironicamente, a música-título foi usada num trecho ultraviolento de Laranja Mecânica). Acho que justamente por isso, pela felicidade simbolizada e atualmente tão anacrônica, é que vale priorizá-la. Alguma coisa boa devemos guardar.

2 comentários:

CrápulaMor disse...

Tem uma cena em que o Tom Hanks beija alguém na chuva. Acho que é a Helen Hunt, no final de O Náufrago. E tem também a cena em que a Mary Jane beixa o Homem-Aranha de cabeça pra baixo, na chuva. Lembrei dessas...

Repórter de Sandálias disse...

Ah, tem tantas boas cenas de chuva...
Dos blockbusters lembro daquela no Demolidor, que era cego via a partir da sensação das gotas de chuva caindo...
Mas a minha preferida é a de um filme que chama A Minha Vida Sem Mim. Já assististe? A cena é sobre a sensação da chuva tb associada aos sentimentos humanos... uma viagem bem interessante. Dá lá uma olhada:

http://www.youtube.com/watch?v=yUMlprmMZ5E&feature=related

Bjs e boa viagem...

Seguidores