Curiosidade. Deve ter sido esse o motivo que levou o meu pai a me pedir para procurar o livro "Aprender a viver", de Luc Ferry, ex-Ministro de Educação da França. Não é de auto-ajuda. Lendo a respeito, é um material que busca deixar a filosofia acessível e direta ao entendimento de leigos. Há o objetivo declarado de fazer com que o leitor viva melhor a partir da sabedoria adquirida no livro, o que pode esbarrar no gênero de auto-ajuda. Talvez, considerando que o objetivo clássico da filosofia é fazer o homem questionar e responder e, dessa forma, aperfeiçoar-se até a felicidade.
Não achei o livro. O último lugar em que procurei foi na livraria "Visão", que fica no Iguatemi. A atendente não sabia do que se tratava e foi verificar na seção de auto-ajuda. Engano desfeito, sorriso refeito, disse que a livraria não recebera ainda exemplares porque ele "foi lançado em 2006".
Aceitei a resposta. Ter sido em lançado ano passado e, por isso, ainda não chegou aqui. Soou sincero, um absurdo sincero, até o ponto onde a honestidade interfere na aceitação imediata do estranho. Lembrei das primeiras aulas de filosofia, o professor dizendo que ceticismo e religião não combinavam com a prática filosófica. Dogmas não aceitam perguntas. Aceitam crenças. Nas aulas ainda não tinha noção de que tais crenças, em troca, poderiam oferecer a felicidade ou algo próximo. Esse "algo próximo" foi, na livraria, eu não estranhar e ir embora até com certa tranqüilidade quando ouvi a resposta da atendente. A tranqüilidade do hábito, de não estranhar e não perguntar mais.
Contudo, o ato de perguntar, deixando ser costume, persiste como instinto: me perguntei se valia a pena questionar quando o livro viria, se viesse; se valia a pena insistir com a atendente que o livro havia sido lançado no Brasil recentemente e não ano passado; se valia a pena entender que era um engano; se valia a pena voltar ali, sabendo que quase não há livrarias na cidade, pois estão fechando, substuídas por lojas de roupas; se valia a pena questionar a estranheza em ouvir uma resposta daquelas, lembrando que as salas clássicas do Cine Nazaré vão virar Lojas Americanas (não sei como isso me veio à mente, mas veio). Perguntei a mim mesmo, calado, decidindo entre ser confuso ou permanecer cético.
Ferry não aprovaria, nenhuma filósofo aprovaria. Meu pai não aprovaria, nem meus amigos, nem o jornalismo. E, acima de tudo, eu mesmo não aprovaria. Mas aquela atendente me deu uma resposta que tinha como pré-requisito a aceitação, não o questionamento. E eu aceitei essa resposta. Naquele momento, ela foi a líder do meu dogma, orientadora da minha passividade, messias do meu conformismo. Uma resposta comum, normal, imediata. E eu aceitei, afastando a indignação que deveria ter sentido e ainda procuro. Aceitei, jogando para o mundo platônico das idéias o que é natural, saudável e inevitável para evolução da sociedade, para o bem e para o mal. Aceitei, dando as costas à atendente e ao começo de tudo: a curiosidade.
Um comentário:
"se valia a pena voltar ali, sabendo que quase não há livrarias na cidade, pois estão fechando, substuídas por lojas de roupas; se valia a pena questionar a estranheza em ouvir uma resposta daquelas, lembrando que as salas clássicas do Cine Nazaré vão virar Lojas Americanas (não sei como isso me veio à mente, mas veio). Perguntei a mim mesmo, calado, decidindo entre ser confuso ou permanecer cético."
essa parte me deixou pensativa! isso tudo que tá escrito eu já havia pensado, mas colocar assim nunca passaria pela minha cabeça! com isso eu acho que vou ser eternamente cética! (?)
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