Evolução

Dizer que já era previsto o sucesso de Homem de Ferro 2 nos cinemas é chover no molhado: sequência de uma adaptação de quadrinhos bem realizada, campanha de marketing eficiente, ligação com outros filmes do universo Marvel, atraindo fãs de quadrinhos ou não, entre outros fatores. Talvez uma diferença a se observar no filme, comparado com outras adaptações de hq's, é como seu êxito depende do seu protagonista. Não apenas pelo fato óbvio de ser ele a vestir a armadura do super-herói, mas pela sua personalidade. Arrogante, debochado, excêntrico, infantil e narcisista (a ponto de revelar sua identidade secreta) não são características esperadas de alguém que luta contra ameaças à sociedade.

Mais surpreendente ainda é ver como o seu carisma é  justamente fruto de tais aspectos. Não se trata de um personagem unidimensional, principalmente ao fazer uma comparação com outro super-herói: enquanto Tony Stark faz questão de mostrar que ele e o Homem de Ferro ostentam a mesma personalidade, Bruce Wayne despreza tanto a sua figura de playboy rico que a utiliza para disfarçar a sua verdadeira natureza, revelada ao se vestir como Batman. São características semelhantes, mas que assumem diferentes inclinações para o espectador de acordo com as justificativas do herói. Caráter e extravagância para um, fardo e estratégia para outro. Batman, Homem de Ferro e outros super-heróis se mostram mais complexos do que aparentam ser. E são assim desde suas origens nos quadrinhos, fato felizmente representado (mas não sempre) nas últimas adaptações para o cinema.

Se hoje uma adaptação como Homem de Ferro 2 tem a sua estratégia de sucesso discutida de maneira tão cotidiana, é conveniente lembrar de um marco deste processo: o filme X-Men, lançado 10 anos atrás. Em uma época em que a lembrança mais recente de adaptação cinematográfica de quadrinhos era o fiasco multicolorido Batman e Robin (1997), a versão para as telas do grupo mutante atingiu um nível superior em relação a outras produções do gênero. Vale lembrar que, em 1998, Blade - O Caçador de Vampiros fez sucesso, mas foi um caso isolado, principalmente por mostrar um personagem pouco conhecido do público e fazer o protagonista adotar um estilo diferente dos quadrinhos. Já os X-Men eram populares no mundo inteiro, contribuindo para o aumento da expectativa do filme. Expectativa, aliás, cercada por desconfiança e até revolta. A mudança nos uniformes da equipe, por exemplo, gerou protestos.


Mas, além de trivialidades como uniformes inspirados no figurino de Matrix e a escolha de um ator desconhecido para interpretar o mutante mais popular da equipe, o principal obstáculo para o sucesso do filme era o preconceito contra os quadrinhos, como se tratasse apenas de conflitos superficiais do bem contra o mal, numa batalha utlizando poderes fantásticos. Não era o tipo de pensamento que antecipava, por exemplo, uma cena logo no início do filme, onde um senador faz o seguinte discurso:

"Eu tenho uma lista de mutantes identificados que residem nos Estados Unidos. Aqui tem uma garota em Illinois que pode atravessar paredes. O que a impede de atravessar as paredes do cofre de um banco, da Casa Banca ou [aponta para o público] da casa deles? E há ainda rumores, senhorita Grey, de mutantes tão poderosos que podem invandir nossas mentes e controlar nossos pensamentos, retirando nosso livre arbítrio concedido por Deus. (...) Senhoras e senhores, a verdade é que os mutantes são bem reais, e eles estão entre nós. Nós precisamos saber quem eles são e, acima de tudo, o que eles podem fazer!" 

Há preconceito e medo, mas também uma preocupação plausível. Mutantes sofrem discriminação assim como a parcela da sociedade composta por negros, homossexuais ou ateus (apenas para citar alguns exemplos) também sofre. Não é de se estranhar que alguns mutantes se revoltem. O que dizer de um mutante sobrevivente de um campo nazista? É o caso de Magneto, que, completamente descrente da humanidade, devolve o preconceito aos não-mutantes, que considera seres inferiores, passíveis de serem eliminados pela evolução da espécie. Charles Xavier, mentor dos X-Men, entende os sentimentos de Magneto (foi seu amigo na juventude), mas sabe que retaliação só levará a mais discórdia e, eventualmente, a destruição de ambos os lados.


O arco dramático, porém, não se limita ao medo e preconceito em torno dos mutantes. Contrariando a ideia de que ter poderes especiais sempre é algo positivo, a personagem Marie tem a habilidade de absorver os poderes e a vitalidade de qualquer pessoa que toque. Sem ainda saber que era uma mutante, ela fez o garoto que lhe deu o primeiro beijo ficar em coma por três semanas. Já ciente dos seus "dons", sabe que não pode tocar nenhum ente querido sem o risco de matá-lo. E, claro, sofre por isso.

Outro acerto do filme também foi o uso do humor, inclusive nas piadas com o próprio estereótipo de super-herói. Wolverine debocha dos codinomes dos membros de alguns mutantes (Ciclope, Tempestade, Magneto) e despreza os uniformes da equipe, mas se cala diante de outra alternativa (justamente os trajes originais dos quadrinhos). Fazia parte do esforço do filme em fazer o espectador imaginar aquela situação no mundo real (atitude que as versões para o cinema de V de Vingança, Cavaleiro das Trevas e Homem de Ferro também tiveram). Por estas e outras qualidades, incluindo as cenas de ação, o filme X-Men estimulou outras adaptações de hq's que vão além de um duelo de mocinhos e bandidos, sempre observando as ideias presentes no material original. A questão não é sempre reverenciar quadrinhos ou sua adaptações para o cinema, mas reconhecer quando uma obra do gênero se supera e incentiva a produção de outros títulos no mesmo nível ou ainda melhores, que é o que se espera.


3 comentários:

L disse...

Talvez o mérito maior da adaptação seja justamente quebrar o preconceito ao mostrar que as HQ's não são somente histórias pra crianças ou simplistas sobre a abordagem da realidade. Ao mostrar essa mensagem, as portas são abertas para outras histórias tão interessantes e excelentes serem exploradas nos filmes, que conseguem alcançam um público maior do que revistas.

CrápulaMor disse...

Sou super suspeito pra falar de X-Men, e dos heróis da Marvel de maneira geral. Era viciado nos gibis quando criança. Gostei muito dos filmes. De fato, X-Men vai além dos combates dos heróis, e explora conflitos interessantes, como a perseguição aos mutantes e o isolamento da Vampira. Ainda não vi Homem de Ferro 2, mas adorei o primeiro. Também tô MTO ansioso pelo Thor!

Repórter de Sandálias disse...

O sucesso do Homem de Ferro é inegável, sim, bem como de qualquer adaptação de HQ que envolver super produção, super publicidade, super efeitos e super bilheterias... Mas já to cansada de blockbusters! Cadê os dramas, os romances, as grandes e inéditas histórias, filmadas com poucos efeitos e poucos recursos, mas que tocam mais do que os sentidos, e sim a alma e o coração???
Eita, essa foi profunda!!! Hahhahah. Bjs :)

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