Rememorável

Ano passado tive a oportunidade de assistir ao curta-metragem Quarto de Espera e, na ocasião, comentei o fato do filme dar certo ânimo ao espectador por oferecer tantas interpretações para, logo em seguida, jogar água fria nele, pois o diretor não dava certeza de nenhuma metáfora ou simbolismo, nem parecia disposto a colaborar na discussão. No início deste ano, mais uma vez pude ver o curta. Também acompanhei novamente o diretor na mesa de debate. Foi pior. Após uma sutil reclamação por encaixarem o seu trabalho num dia onde a maioria dos curtas tinha um tom bem-humorado, dificultando a apreciação da atmosfera sombria do filme pelo público, finalmente declarou como via a história do jovem usando uma máscara de gás: o cúmulo da violência e bestialidade humanas, onde quase não se troca mais palavras. Menos de dois minutos falando e logo passou o microfone. A plateia, cansada de assistir filmes e participar de festas na noite anterior, não se pronunciou. O mediador passou a palavra a outros diretores. E não lembrei mais do filme até ler esta crítica.

Gosto de críticas por isso: elas fornecem outras perspectivas de análise da obra, por mais estranhas ou ridículas que possam ser. Nunca havia julgado os planos de Quarto de Espera como "desoladoramente longos, tumefactos, infletidos pelo peso de uma duração que não se escalona pela linha progressiva do tempo cotidiano ou da narrativa, para frente e para fora, mas justamente no sentido/direção contrários". Chuto que o diretor também não. É mais uma opção ao se rever a obra: compreender um tempo que não avança e um peso que não se define. Não se definir, aliás, parece ser mesmo o forte do filme. Não houvesse duas ocasiões em que esperei o diretor apontar direções (não respostas), julgaria tal característica um ponto positivo. Como vi o silêncio do pai diante da criança, resta ver algumas observações alheias, como a que diz que o "ponto de vista se objetiva, se faz matéria; matéria opaca, turva, mas trabalhada com a precisão siderúrgica que lhe infunde, no timing exato do corte e no encadeamento sincopado dos planos, a sombria densidade de um pesadelo feito carne". Não vi tanto assim. Ou melhor: vi além do filme. Por isso ainda não entendi a que veio.

E talvez a função do curta e daquela crítica nem seja compreender ou ser compreendido. Pode ser só chamar a atenção, como realmente deve fazer. Despertar o interesse sem ser sensacionalista, talvez um pouco blasé. Guerra ao Terror ganhou o Oscar porque críticas do mundo inteiro chamaram a atenção para um filme que passou despercebido nos cinemas. No caso de Quarto de Espera, apenas uma foto do filme é capaz de chamar mais atenção que várias críticas (a bendita máscara de gás). Mas valem as críticas, assumidas ou não, mesmo que algumas afastem mais do que convoquem. Saber que público e os críticos estão se manifestando é sempre um bom sinal. O pior de uma obra não é quando a maioria julga a qualidade ruim ou abaixo da expectativa: é quando ela não se fixa de maneira alguma no espectador, que chega  o mais perto possível da indiferença. Por isso a importância da troca de opiniões e análises, para chamar a atenção e evitar que se caia rapidamente no esquecimento, mesmo que não se chegue a lugar nenhum, como aqui.

Um comentário:

Repórter de Sandálias disse...

Nossa, voltei às aulas de lingística, agora: o signo é um código aberto, cada um lhe confere a interpretação que resgata as suas próprias experiências de vida e maneiras de ver o mundo... blá, blá, blá! Sei que não tem nada a ver esse comentário, mas é que hoje em dia tudo que leio me remete a uma teoria, conceitos, etc, rsrrsrssr. Mas gostei da crítica sobre a crítica. O papel da crítica é justamente esse: marca o contexto sociocultural em que a obra é produzida e lhe confere um lugar no tempo e no espaço, polemiza e desperta a curiosidade, bem no estilo "falem mal, mas falem de mim". Bjs

Seguidores