"Além da linguagem de ambos ser baseada em imagens seqüenciais, um motivo que justifica a crescente produção de filmes baseados em quadrinhos é o potencial midiático que cinema e histórias em quadrinhos possuem: são meios de comunicação de massa que exercem uma atração forte em relação ao público, tendo como principal atrativo a imagem e a forma como ela é trabalhada nestas mídias. A imagem faz parte do processo narrativo em que se desenvolvem as histórias nestas adaptações e também é essencial na formulação de estratégias criadas para vender produtos baseados nos filmes."
Há um grande número de trabalhos abordando as adaptações cinematográficas de quadrinhos. Boa parte deles só conheci depois de apresentar o artigo citado (vivendo e aprendendo...). Houve até um caso de plágio, mas essa é outra história que ainda estou tentando resolver. O fato é que, depois de falar sobre o tema na faculdade e em dois congressos, percebi muita coisa que deixei passar e o quanto ainda poderia ser estudado. Sim, estudado, pois falar a respeito, numa conversa informal de xingamentos e risadas, é uma atividade que eu e alguns amigos nunca deixamos de cumprir.
Cavaleiro das Trevas foi um divisor neste gênero. Não somente por ser a maior bilheteria do ano de 2008, mas por mostrar uma nova definição da abordagem mais humana e realista de um ser fantástico (e, claro, porque também tinha o Coringa em sua versão mais insana e perigosa). O diretor Christopher Nolan nunca escondeu a sua intenção de contar a história do Batman como se ela realmente pudesse ser aplicada no mundo real. E refletir o contexto sócio-político da realidade é algo que as grandes hq's fizeram. Entre elas, duas obras se destacam: The Dark Knight Returns, de Frank Miller, e Watchmen, de Alan Moore.
Cavaleiro das Trevas foi um divisor neste gênero. Não somente por ser a maior bilheteria do ano de 2008, mas por mostrar uma nova definição da abordagem mais humana e realista de um ser fantástico (e, claro, porque também tinha o Coringa em sua versão mais insana e perigosa). O diretor Christopher Nolan nunca escondeu a sua intenção de contar a história do Batman como se ela realmente pudesse ser aplicada no mundo real. E refletir o contexto sócio-político da realidade é algo que as grandes hq's fizeram. Entre elas, duas obras se destacam: The Dark Knight Returns, de Frank Miller, e Watchmen, de Alan Moore.
Watchmen é considerada a obra-prima dos quadrinhos. Não foi à toa que a sua versão nos cinemas gerou grande comoção pelo mundo: quem leu e releu a obra de Alan Moore sabe da enorme complexidade da história, não apenas pelo seu roteiro, mas pela estrutura narrativa. Depois de Cavaleiro das Trevas, a expectativa só fez aumentar.
Watchmen estreou. Tive lá minhas frustrações, embora não soubesse defini-las precisamente. Depois de anos de planejamentos e roteiros, um dos pilares das hqs's finalmente foi adaptado para o cinema em um momento onde os filmes baseados em quadrinhos significam lucro. Adaptado de forma fiel, ainda por cima. Já se pode imaginar os artigos que serão elaborados a partir disso. O lucro, a tecnologia digital, a importância da imagem... Pelo menos é o que consigo imaginar até agora.
De imediato, percebi o problema em comparar Batman e Watchmen. Cavaleiro das Trevas tenta mostrar Batman como se realmente ele pudesse existir além do cinema. Watchmen também parte da premissa de heróis mascarados no mundo real. Mas Batman existe desde o final da década de 30 do século passado. Já teve várias versões, de alegre bom-moço das onomatópeias a sombrio combatente quase fascista. A variedade de histórias e abordagens do personagem dá mais liberdade em suas adaptações, como mostram a série de TV dos anos 60 e os filmes de Tim Burton e Joel Schumacher. Watchmen é um arco fechado, sem derivações ou novas versões. Se isso se revelou uma vantagem em filmes como Sin City e 300, em Watchmen virou um problema. Sacrificar um personagem ou um evento pode comprometer seriamente a qualidade do roteiro original.
E foi o que houve. Mas há de se reconhecer que as falhas nesta parte não superam os acertos: ainda que haja forte quebra da narrativa em certos momentos, reunir as mais de 400 páginas da hq de forma plausível em um único filme deve ter sido um tremendo esforço (principalmente ao considerar a mudança no final). Quanto a situar a história no "mundo real"... Câmeras lentas, violência gráfica, golpes fantásticos que quebram a física são medidas para atrair público, mas dentro da proposta do filme não obtiveram um bom resultado. Guardadas as devidas proporções, lembrou o efeito da "edição de gibi" do Hulk de 2003: o clima dramático do filme é quebrado com efeitos de balões e páginas sendo viradas. Em Watchmen, o suposto realismo (na falta de um termo melhor) vai por água abaixo ao vermos um criminoso ser arrastado por vários metros por um único chute, principalmente quando quem desferiu o golpe deveria ser um herói relutante e fora de forma, apesar de no filme estar confiante e sorridente com a pancadaria.
Mas talvez o principal problema mesmo foi eu ter ficado com a sensação de que o diretor sacrificou muito da coerência em nome da fidelidade. Literalmente, ele tentou dar movimentos e falas aos quadrinhos, colocando numa roupagem mais moderna (o que até deu certo com o Coruja, mas terrivelmente errado com o Ozymandias). O problema nisso? A resposta é óbvia, mas encobre outras camadas: quadrinhos e cinema são mídias diferentes. Transpor a imagem do papel à película pode ter um efeito extraordinário, mas não basta ser somente uma fotografia: ela precisa interagir com outros elementos dentro uma história. A trilogia X-Men se saiu bem nesta última parte (embora ela tenha mesma vantagem do Batman de não ser um arco fechado de histórias).
Uma questão a ser levada em conta é a linguagem própria de cada meio. Emboa eu tenha dito antes o problema de comparar Cavaleiro das Trevas e Watchmen, não consigo imaginar agora um exemplo mais prático do que quero dizer. A cena do Coringa apreciando o vento na janela do carro de polícia funcionou espetacularmente no filme. Dificilmente seria aproveitada nos quadrinhos. O vento, as luzes da sirene, o movimento da câmera, tudo aquilo faz parte do significado da cena, em retratar a personalidade do Coringa, a sua tranquilidade e satisfação em aproveitar o vento mesmo depois da tragédia que provocou minutos antes. Tudo sem utilizar falas. O efeito da cena não seria o mesmo nos quadrinhos.
Já Watchmen aproveita todo o alcance que a linguagem das histórias em quadrinhos permite, como no seguinte recorte no enterro do Comediante (objeto de discussão no Curso de Cinema e Quadrinhos):
Observando todo o quadro, percebe-se que todos os três personagens estão juntos, lado a lado. Por que então separá-los com a linha branca divisória de quadrinhos? Uma possível interpretação é ver como os três personagens, embora juntos no momento, pessoalmente estão muito distantes um do outro, cada um ao seu próprio jeito. Ozzymandias, por exemplo, embora com semblante triste, está protegido da chuva, aludindo ao seu estilo de sempre planejar tudo. Dr. Manhattan, por sua vez, se protege da chuva criando uma aura própria, enquanto assume uma expressão de análise racional em vez de lamentação, ressaltando a sua condição cada vez mais distante da humanidade. Já Dreiberg, com o rosto triste, é atingido diretamente pela chuva, como se estivesse à mercê dela e não pudesse fazer nada, num comportamente semelhante ao que assume até certa parte da história. Além disso, em cada quadro há uma frase, dita pela mesma pessoa (no caso, o padre realizando o funeral). Em vez dos balões de fala do padre estarem ligados, cada frase sai justamente da linha divisória dos quadros, como se cada fala fosse direcionada especificamente a cada um deles, que reage do modo como está sendo mostrado, o que ressalta ainda mais a individualidade de cada um, como peças de um quebra-cabeça que se unem apenas pelo formato e não por vontade.
Como seria esta cena no cinema? Possivelmente, mostraria cada um dos personagens isoladamente, e em cada rosto se ouviria a fala do padre. E só então os três dividiriam a mesma cena, lado a lado. É possível reproduzir exatamente como no quadrinho, mas ficaria no mínimo confuso.
Cinema e quadrinhos têm como base a imagem e a arte sequencial, mas ainda são linguagem diferentes, com tempo de apreciação e interpretação diferentes. Simplesmente dar movimento e fala aos personagens no filme e reproduzir cada detalhe do cenário não é suficiente. Watchmen não afunda neste erro, mas passa perto. É louvável ver que a obra original, afinal de contas, foi respeitada, sem ser deturpada pelos clichês da maioria dos filmes de Hollywood. Ao que parece, isso foi suficiente para a maioria dos leitores da hq. Normal. Mas ainda acho que vale a pena aprender a analisar mais e, assim, apreciar melhor. Embora eu não troque o entusiasmo juvenil pela seriedade acadêmica diante das adaptações de quadrinhos para o cinema, ainda acho que dá pra levar os dois. Enquanto não faço outro trabalho acadêmico, vou ensaiando (às duras penas) aqui no blog. Um dia, quem sabe, acerto. Ou me rendo de vez à empolgação.
Watchmen estreou. Tive lá minhas frustrações, embora não soubesse defini-las precisamente. Depois de anos de planejamentos e roteiros, um dos pilares das hqs's finalmente foi adaptado para o cinema em um momento onde os filmes baseados em quadrinhos significam lucro. Adaptado de forma fiel, ainda por cima. Já se pode imaginar os artigos que serão elaborados a partir disso. O lucro, a tecnologia digital, a importância da imagem... Pelo menos é o que consigo imaginar até agora.
De imediato, percebi o problema em comparar Batman e Watchmen. Cavaleiro das Trevas tenta mostrar Batman como se realmente ele pudesse existir além do cinema. Watchmen também parte da premissa de heróis mascarados no mundo real. Mas Batman existe desde o final da década de 30 do século passado. Já teve várias versões, de alegre bom-moço das onomatópeias a sombrio combatente quase fascista. A variedade de histórias e abordagens do personagem dá mais liberdade em suas adaptações, como mostram a série de TV dos anos 60 e os filmes de Tim Burton e Joel Schumacher. Watchmen é um arco fechado, sem derivações ou novas versões. Se isso se revelou uma vantagem em filmes como Sin City e 300, em Watchmen virou um problema. Sacrificar um personagem ou um evento pode comprometer seriamente a qualidade do roteiro original.
E foi o que houve. Mas há de se reconhecer que as falhas nesta parte não superam os acertos: ainda que haja forte quebra da narrativa em certos momentos, reunir as mais de 400 páginas da hq de forma plausível em um único filme deve ter sido um tremendo esforço (principalmente ao considerar a mudança no final). Quanto a situar a história no "mundo real"... Câmeras lentas, violência gráfica, golpes fantásticos que quebram a física são medidas para atrair público, mas dentro da proposta do filme não obtiveram um bom resultado. Guardadas as devidas proporções, lembrou o efeito da "edição de gibi" do Hulk de 2003: o clima dramático do filme é quebrado com efeitos de balões e páginas sendo viradas. Em Watchmen, o suposto realismo (na falta de um termo melhor) vai por água abaixo ao vermos um criminoso ser arrastado por vários metros por um único chute, principalmente quando quem desferiu o golpe deveria ser um herói relutante e fora de forma, apesar de no filme estar confiante e sorridente com a pancadaria.
Mas talvez o principal problema mesmo foi eu ter ficado com a sensação de que o diretor sacrificou muito da coerência em nome da fidelidade. Literalmente, ele tentou dar movimentos e falas aos quadrinhos, colocando numa roupagem mais moderna (o que até deu certo com o Coruja, mas terrivelmente errado com o Ozymandias). O problema nisso? A resposta é óbvia, mas encobre outras camadas: quadrinhos e cinema são mídias diferentes. Transpor a imagem do papel à película pode ter um efeito extraordinário, mas não basta ser somente uma fotografia: ela precisa interagir com outros elementos dentro uma história. A trilogia X-Men se saiu bem nesta última parte (embora ela tenha mesma vantagem do Batman de não ser um arco fechado de histórias).
Uma questão a ser levada em conta é a linguagem própria de cada meio. Emboa eu tenha dito antes o problema de comparar Cavaleiro das Trevas e Watchmen, não consigo imaginar agora um exemplo mais prático do que quero dizer. A cena do Coringa apreciando o vento na janela do carro de polícia funcionou espetacularmente no filme. Dificilmente seria aproveitada nos quadrinhos. O vento, as luzes da sirene, o movimento da câmera, tudo aquilo faz parte do significado da cena, em retratar a personalidade do Coringa, a sua tranquilidade e satisfação em aproveitar o vento mesmo depois da tragédia que provocou minutos antes. Tudo sem utilizar falas. O efeito da cena não seria o mesmo nos quadrinhos.
Já Watchmen aproveita todo o alcance que a linguagem das histórias em quadrinhos permite, como no seguinte recorte no enterro do Comediante (objeto de discussão no Curso de Cinema e Quadrinhos):
Como seria esta cena no cinema? Possivelmente, mostraria cada um dos personagens isoladamente, e em cada rosto se ouviria a fala do padre. E só então os três dividiriam a mesma cena, lado a lado. É possível reproduzir exatamente como no quadrinho, mas ficaria no mínimo confuso.
Cinema e quadrinhos têm como base a imagem e a arte sequencial, mas ainda são linguagem diferentes, com tempo de apreciação e interpretação diferentes. Simplesmente dar movimento e fala aos personagens no filme e reproduzir cada detalhe do cenário não é suficiente. Watchmen não afunda neste erro, mas passa perto. É louvável ver que a obra original, afinal de contas, foi respeitada, sem ser deturpada pelos clichês da maioria dos filmes de Hollywood. Ao que parece, isso foi suficiente para a maioria dos leitores da hq. Normal. Mas ainda acho que vale a pena aprender a analisar mais e, assim, apreciar melhor. Embora eu não troque o entusiasmo juvenil pela seriedade acadêmica diante das adaptações de quadrinhos para o cinema, ainda acho que dá pra levar os dois. Enquanto não faço outro trabalho acadêmico, vou ensaiando (às duras penas) aqui no blog. Um dia, quem sabe, acerto. Ou me rendo de vez à empolgação.
3 comentários:
Bicho,sei que o filão das adaptações agrada a quem enche os bolsos com seus subprodutos e aos fãs do gênero, mas, égua, já deu, não?!Livrai-me meu São Bergman!
Abs,
Luana
Pelo menos as aulas de análise de discurso serviram para alguma coisa, rsrsrsrsr!!!
Brincadeira, falando sério agora, é muito cômodo para quem faz cinema se aproveitar das histórias em quadrinhos. As grandes produtoras precisam apenas de uma boa história, muita publicidade e alguns efeitos especiais para, depois, embolsar os rendimentos facilmente.
Embora existam casos bem sucedidos de adaptações, que resultaram não só em sucessos de bilheteria como também em grandes contribuições cinematográficas, como Sin City (na minha reles e desintendida opinião), concordo quando dizes que "Cinema e quadrinhos têm como base a imagem e a arte sequencial, mas ainda são linguagem diferentes, com tempo de apreciação e interpretação diferentes".
Para lembrar a teoria de Mcluhan, de que "o meio é a mensagem", acredito sinceramente que as características do suporte realmente interferem na fruição do conteúdo reproduzido pelas diferentes mídias. Não como um simples padrão tecnicista, mas como forma de mediação que tem ingerência determinante na qualidade e finalidade da comunicação.
Para concluir o meu quase breve ensaio crítico sobre o teu post, rsrsrrss ;), quero dizer que, talvez, seja justamente o teu entusiasmo juvenil sobre o assunto que deixa a análise ainda mais interessante. Me orgulho do crítico cinematográfico que te tornaste.
E viva a empolgação!! Rsrsrrssr!!
Bjs
"entusiasmo juvenil"
Que gay...
Aguardem nosso livro em 2009 muchachas.. Nosso tcc remasterizado, reeditado e em 3D.
Igor,
Temos que marcar o resgate do surfista prateado.
abraço
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