Impaciência

Benjamin Button nasceu velho e rejuvenesce com o passar dos anos. Sua amada, sua família e seus amigos começam a sentir o corpo mais pesado e lento, a pele mais flácida, a beleza se esvai, a memória não funciona tão bem como antes. E ele fica mais jovem, mais bonito, mais capaz. E mais experiente. Também cada vez mais só. Raiva, revolta, desespero, amargura. Nada disso. Benjamin Button aceita. Lamenta, mas não muito. Deve-se aceitar o fim quando ele chega, diz o filme. Uma fábula sobre a vida, sobre as suas surpresas e inevitabilidades, perdas e aprendizados, experiências e memórias. E amor, principalmente sobre amor. Bom filme. Seria melhor se seu protagonista fosse menos babaca.

As circunstâncias moldam o jeito de viver de cada um. Cada um leva sua vida a partir de suas experiências. Principalmente de seus traumas, jogando mais Freud na receita (sem esquecer o tempero da genética). Se Benjamin Button nasceu já esperando morrer em breve e se ele convive desde a infância com a morte de residentes no asilo onde cresce, é natural que ele reconheça a finitude da vida e a abrace de forma simples e pouco ambiciosa. Se todos fossem serenos e prestativos como ele, talvez o mundo fosse um lugar melhor. Mas, por algum motivo, todas as pessoas que conheço se identificam mais com a filosofia de outro personagem de Brad Pitt, Tyler Durden: "nós todos crescemos com a TV acreditando que um dia seríamos milionários, deuses do cinema e estrelas do rock. Mas não vamos. E estamos lentamente aprendendo este fato. E estamos muito, muito putos".

Aprendemos que para viver em sociedade controlamos e disfarçamos muitos de nossos instintos. Nenhuma novidade. Por isso os vilões são mais interessantes que os heróis, por isso gostamos de quem foge das regras, por isso damos atenção diferente para quem admite que salva o mundo apenas porque não há outro lugar pra morar. Catarse faz parte do carisma. Talvez seja a resposta de muita coisa. Histórias como Crime e Castigo no século XIX, Annie Hall na década de 70, Clube da Luta em 1999 (mais uma pérola que completa dez anos), Closer em 2004 e O Cavaleiro das Trevas no ano passado (na figura do Coringa) marcam por lembrarem que a vida não parece ter um sentido especial, místico ou divino. Nossas raízes são hormônios e instintos, incluindo o da sobrevivência e o da subjugação alheia no amor e na guerra.

Mas sabemos que a vida tem que ser mais do que isso, senão não estaríamos aqui (sorte demais?). Temos que olhar uns pros outros e achar um objetivo, um sentido, uma válvula de escape nas artes, nas bebidas, no sexo, nos amigos, nos blogs, nos trabalhos, nos estudos... todas essas coisas que lembram que a vida é mais do que a própria vida e, por isso, escolhemos continuar levando o mundo, invejando quem não têm medo das regras, mas cientes de que eles só existem porque, afinal, estamos todos aqui. Ainda sentindo revolta e indignação para continuar evoluindo. Ainda alimentando incertos sentimentos por certas pessoas que nos fazem trabalhar para que elas fiquem bem. Ainda pensando muito e não entendendo tanto.

"Escolha uma vida. Escolha um emprego. Escolha uma carreira, uma família. Escolha uma televisão enorme. Escolha lavadoras, carros, CD players e abridores de latas elétricos. Escolha saúde, colesterol baixo e plano dentário. Escolha uma hipoteca a juros fixos. Escolha sua primeira casa. Escolha seus amigos. Escolha roupas esporte e malas combinando. Escolha um terno numa variedade de tecidos. Escolha fazer consertos em casa e pensar na vida domingo de manhã. Escolha sentar-se no sofá e ficar vendo game shows chatos e alienantes na TV comendo porcaria. Escolha apodrecer no final, beber num lar que envergonha, os filhos egoístas que pôs no mundo para substituí-lo. Escolha seu futuro. Escolha uma vida. Mas por que eu deveria fazer uma coisa dessas?"


(Trainspotting)

4 comentários:

Repórter de Sandálias disse...

Uau! Isso foi realmente lindo... e tão carregado de humanidade!!

"Aprendemos que para viver em sociedade controlamos e disfarçamos muitos de nossos instintos": isso é a mais pura verdade. Não fosse isso, não seríamos a tal da "cópia da cópia da cópia", como diria o Tyler.

Façamos, então, o máximo para que as circunstâncias que moldam o nosso jeito de viver não sejam as mesmas que fazem a maioria "escolher uma vida" tão medíocre!!!

À exemplo de Button, não deixemos nossas mentes envelhecerem, nem as nossas escolhas acomodarem-se!!

Ps: Rsrsrs!! Vc tem razão!! Quando foi que me tornei uma otimista? Bjo

Repórter de Sandálias disse...

Oops, como boa jornalista que sou, tenho que corrigir esse erro:

A exemplo de Button, não deixemos nossas mentes envelhecerem, nem as nossas escolhas acomodarem-se!!

SEM CRASE

Hehehehe!! :)

CrápulaMor disse...

Ótimo texto! Parabéns! O Benjamim Button, mesmo em circunstâncias absurdas, parece ser um personagem bem relacionável e abordar aspectos bem reais do ser humano. A sua proposta entra em conflito com as ansiedades e as frustrações da vida. Clube da Luta é um dos melhores filmes que eu já vi. Essa ruptura com o roteiro que programaram para todos nós é necessariamente fascinante, não é?

Anônimo disse...

"...por isso damos atenção diferente para quem admite que salva o mundo apenas porque não há outro lugar pra morar."

Interessante. Mas mesmo assim, mesmo com tudo isso, eu ando numa fase otimista e quase infantil de que apesar de, mesmo que, a vida continua sendo doce! :)

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