Adiante

Preferi olhar pelo vidro. Daquela distância, pouca coisa havia mudado. Algo familiar e distante, ainda muito previsível mas com uma vontade de surpreender avançando pelos meses. Isso era possível ver. O relógio na prateleira, quase obstruindo a visão, era daqueles elegantes cujo ponteiro dos segundos move-se continuamente, sem pausas, sem tic-tac. Vi certa elegância. Veio a dúvida se era minha visão desascostumada à sua presença ou postura de trabalho. Não soube, por isso não me importei.

Os movimentos expansivos e até exagerados estavam contidos. Era a situação. É difícil dizer o ponto onde tristeza carrega elegância e segredos significam vantagens. Talvez se pudesse ler os olhos. Mas não era possível. Não através do vidro, não daquela distância, não se esquivando do relógio. Ainda assim, ninguém sairia do seu lugar caso alguém resolvesse ignorar tais barreiras. Obrigação de um lado, reclusão de outro. Isso através do vidro. Internamente, os dois são reflexos e combinações juntos.

Sorri. Todos os clichês e conselhos são reais, mas não são tanto quanto à própria realidade. Mais uma vez o costume de apontar a realidade sempre negativa, dizer sempre "é a vida" como resignação e desculpa. Não era o caso. Era vida de um lado e de outro do vidro. Não vi com clareza, mas também via uma situação piegas, até o ponto onde eu estava consciente disso. Se não sou claro, há um motivo. Se há transparência é porque houve vontade. Havendo fuga desse domínio, escapando da previsão e alargando o alcance, aí surgem nossas revelações. O que já desejamos e o que já revelamos foi uma direção das minhas idéias através do vidro. Não alimentei. Não esqueci.

O ponteiro do relógio já acusara alguns minutos. Sinceramente, as coisas mudam nesse tempo incessante. Segundos viram semanas e minutos passam a meses. Nada novo, nada mais atualizado. Fosse um espelho próximo, veria meus olhos e assistiria aos meus movimentos. Não descobriria nada porque haveria procura da minha parte. Mas através de um vidro de prateleira, distante metros e metros, entendi alguma coisa. E houve melhoras. Talvez o outro lado também. Talvez. Fui embora sem fazer barulho e sem me deter, imitando o que restou de comum aos dois: o relógio.
 

2 comentários:

Anônimo disse...

lindo texto.

esses dias tu andas escrevendo coisas tão parecidas com as daqui! :)

Srta. JATENE, Íris disse...

Ooooi!
"Nada de novo"...
Você tem razão quando espera por algo novo... em parte...
A novidade, ao surpreender, desperta o olhar, para que se perceba que o outro continua sendo a mesma pessoa que um dia te encantou...
O "novo" vem para se valorizar o "velho". Engraçado como as contrariedades, nesse caso, completam-se...

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