Em cidades do interior, aprendi a associar caminhonetes ou pick-ups a gente arrogante. Já tentei não pensar dessa maneira (fico feliz quando me engano), mas ainda é comum ter aquela impressão ao ver o motorista descer do carro: fazendeiro que gosta de mandar, tão rude quanto os peões que comanda, só que mais rico.
Quando a F-1000 parou diante do mercado, esperávamos a chuva passar. Eu sentei no degrau de entrada para a loja, cercado de bicicletas, os braços sobre os joelhos, coluna começando a doer. O Diego comia o pacote de salgadinhos enquanto conjecturava sobre o vento no caminho de volta e o que teria no jantar. Quando o carro parou e os três homens saltaram, eu tive aquela impressão conhecida ao ver o motorista balançando as chaves e falando alto. Pouco depois, um dos empregados saiu na bicicleta para entregar um botijão de gás. Voltei a curtir o cansaço e conversar com o Diego.
O homem que saiu do mercado nesse momento já era idoso, mais de cinqüenta anos. De vassoura em punho, subiu na carroceria do carro e enrolou a lona pra cima da cabine do motorista. Uma lona daquele tipo pesa, ainda mais encharcada do jeito que estava. Começou a varrer com força, aproveitando a chuva que caía para esfregar um ponto mais sujo. Com aquela sujeira branca, provavelmente era trigo que transportavam antes. O motorista apareceu na entrada do mercado, se encostou na parede e começou a falar "Isso, limpa mais aí! Isso mesmo!". O homem limpava sem demonstrar cansaço ou incômodo pela chuva, visivelmente acostumado a trabalho físico pesado.
Desceu da carroceria minutos depois, um pouco ofegante. Foi ao motorista e ouviu dele "bom, agora o meu pagamento é um cafezinho". Aceitou sem pestanejar. E logo estava com aqueles copinhos de plástico. Perguntei a mim mesmo quanto custava um copinho de café preto. O idoso bebeu o café, falou com um conhecido na esquina, entrou de novo na loja e saiu com uma sacola levando cigarros e uma garrafa de cachaça. Saiu sorrindo, caminhando na chuva que eu esperava passar. Não sabia se o ignorava ou se sorria de inveja.
Vi ao meu lado uma garrafa de cachaça parecida com a que o homem levara. Chamava-se Querosene. Perguntei-me quanto devia custar e o que aquele homem varreria, sorrindo na chuva, por aquela bebida.
Um comentário:
Putz...um café?
Que sacanagem...
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