Além do Plano Piloto

Quem gosta de Brasília? Só quem já morou lá, eu diria. Não conheço quem foi apenas visitante ou turista e caiu de amores pela cidade e seu clima seco, suas divisões em quadras (quadras, superquadras ou entrequadras) e setores (Hoteleiro, Gráfico, Comercial Norte, Cultural Sul, etc) e suas ruas sem esquinas, batizadas não com nomes de pessoas ilustres, mas com siglas orientadas pelos pontos cardeais a partir das referências do Eixo Rodoviário e do Eixo Monumental (o "Eixão"). Curioso, engraçado ou - o mais provável - estranho. Admirável é pedir muito. Não se perder de imediato, também

É possível admirar, quem sabe, as construções que aparecem toda semana no noticiário: Palácio do Planalto, Palácio da Alvorada, Itamaraty, Supremo Tribunal Federal, Esplanada dos Ministérios e, claro, o Congresso Nacional. É o Niemeyer imperante. Mas a beleza arquitetônica de tais edifícios, se reconhecida e respeitada, dificilmente supera dois obstáculos. O primeiro é de ordem material e imediata: mesmo belos e famosos, tudo é cimento e ferro. E, ao contrário do Cristo Redentor, a vista ao redor não é de tirar o fôlego. Aliás, pode ter o efeito contrário, justamente pela segunda barreira, de ordem moral e ainda mais perigosa: o imaginário que se tem de Brasília, alimentado principalmente pela mídia. Capital federal, casa do poder político nacional, centro dos escândalos que revelam o lado corrupto e inescrupuloso dos eleitos pelo povo para representar o próprio.

Mas as boas-vindas e as decepções não se resumem ao que a televisão mostra da Praça dos Três Poderes. Sempre há mais o que se conhecer. Catedral, Panteão, Complexo Cultural, Torre de TV, Memorial JK e outros. Ainda ferro e cimento, mas indispensáveis para conhecer e aprender. Brasília é assim mesmo: não se apóia na sua natureza, mas na sua curta e conturbada história. Ainda assim, deve se ver além dos seu prédios. Muito além. A vastidão e amplitude características da cidade. Marca os olhos, tanto ao se caminhar pelas ruas com poucos pedestres como ao se olhar por cima. E haja céu...

 Foto tirada da Torre de TV em setembro de 2006. Atualmente, a fonte circular, como quase toda a cidade, está em obras

Por isso, Brasília não tem multidões sufocantes, mesmo com todas as passeatas, protestos e marchas que possam acontecer. A aglomeração apertada comum no Círio de Nazaré ou no Ano Novo de Copacabana não tem espaço por ter tanto espaço. Mais uma distinção aprazível. Há também o seu lado não tão agradável: poucas pessoas caminham pelas ruas e, se os curitibanos têm fama de serem reservados e até frios com forasteiros, então é preciso conhecer os brasilienses. Longe de serem como os alemães. Mas não costumam puxar conversa. 

 Multidão se dispersando minutos após o fim do Desfile de Independência em 2006

E o que se sabe dos costumes e da cultura de Brasília? Sim, Legião Urbana veio de lá. Plebe Rude e Capital Inicial também. E, para quem passou os primeiros anos de vida na cidade durante metade da década de 80, gostar da música deles não era nem um pouco difícil. A história, mais uma vez, fez o resto. Ainda há muitas e muitas bandas de garagem, mas outros ritmos musicais já se consolidaram. Destaque para o choro. Móveis Coloniais de Acaju tá mandando bem. Falando em bandas, havia a ideia (que o próprio Renato Russo ajudou a espalhar) de que os jovens sempre tocavam algum instrumento porque não havia muito o que fazer na vida noturna da cidade. Quantos anos se passaram para que o cenário mudasse? Outra coisa é que fazer concursos públicos lá é realmente quase um estilo de vida. E não sei definir características do sotaque ou do linguajar brasiliense. Sei que, devido à rivalidade com os vizinhos, gritar "goiano!" para alguém no trânsito é, no mínimo, uma advertência irritada. E "baú" pode ser gíria para ônibus. Mas não dá para notar um traço forte como tem os cariocas ou expressões próprias como o "égua" paraense ou o "uai" mineiro. Não é de se estranhar. Afinal, Brasília é muito jovem e ainda sente influências de todos os brasileiros que migram para lá.

No aniversário de 50 anos da cidade, é tudo que conheço ou lembro de Brasília na prática, fora das pesquisas na internet. E quase nada além do Plano Piloto. Hoje, é vista como uma metrópole que mal consegue acompanhar seu próprio crescimento, o que não deixa de ser uma ironia triste, já que é conhecida por ter sido planejada para ser a capital brasileira. Para muitos, é um símbolo de arrogância política, um erro histórico. Para muitos outros, é apenas uma cidade sem carisma, principalmente por aparecer tanto na televisão (quisera eu conhecer outra capitais sem visibilidade do Centro-Oeste e do Norte para comparar). Brasília não foi feita para deslumbrar. Isso é tarefa do Rio. Nem caberia dizer agora para qual objetivo foi feita, além do óbvio de ser a capital do País. A História não retrocede. Mas penso que, se há 50 anos o Brasil olhava para lá, agora é bom voltar o olhar para o resto do território nacional. Seria bom se isso fosse feito de qualquer lugar do País e em qualquer dia do ano. Nunca parei para imaginar como eu seria se continuasse minha infância em Taguatinga, fortalecendo o que chamam de raízes. Pelo menos posso afirmar que uma das melhores coisas de ter saído foi ter uma noção melhor das diferenças do Brasil. O reconhecimento de que se sabe pouco. A vontade de conhecer mais. E, às vezes, olhar para o começo de tudo.

Parabéns,

  Janeiro de 2010

Um comentário:

L disse...

É, minhas memórias infantis da cidade são escassas. Tudo o que posso falar foi o que eu vi no início do ano, e o que realmente chama mais a atenção é a "vastidão e amplitude" do lugar. Se a cidade possui um charme, é este, apesar de ser restringir basicamente ao centro.
Mas é justamente isso que todos precisamos, inclusive a cidade: olhar para as nossas origens para que possamos nos lembrar do nosso objetivo e caminho, já que é muito fácil se perder, ainda mais com o teu senso de direção. :)

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