Papelão por escrito

Letras de músicas. Impressas em papel. Reli todas, mesmo com muitas delas gravadas, cantadas e, em alguns casos, até berradas ao longo dos anos. Era estranho. Difícil de acreditar que alguém imprima letras de músicas. A internet fornece inúmeros dados sobre as bandas. Não precisa passar pro papel. Gasta tinta, energia, espaço pra guardar e ignora o fato de haver destino melhor para as árvores derrubadas. Mas ali estavam, de Led Zepellin a Massive Attack, as letras espalhadas entre outros papeis, cadernos, pastas e revistas no chão do quarto. E eu decidindo se jogava fora ou não.

Talvez eu tenha as letras no papel porque queria lê-las quando bem entendesse, rabiscá-las se desse vontade. Poder transmitir o que se sente ou alterar o significado das coisas de acordo com a própria percepção. A escrita oferece essa possibilidade, principalmente quando se está sozinho. E, pela escrita e leitura, produzi toda aquela papelada revirada no chão do meu quarto. Anotações sobre filmes, rascunhos de trabalho e cartas, listas de coisas a se fazer (e que não foram feitas), muitos textos pessoais, com a legibilidade da letra atrelada ao estado emocional do momento. Pensava sobre o que descartar, o que merecia ser alimentado além da memória, o que ia pro lixo ou de volta pro armário durante a minha viagem. Havia muita coisa ruim, revelada pelo tempo ou por qualquer estalo intelectual após um momento de descanso. Matéria feita de impulso, sem revisão, às vezes sem conclusão. Senti certo alívio em lembrar que tudo aquilo era sincero, às vezes vomitado, não importando a qualidade. E assim fui vendo como algumas das minhas ideias foram sendo modificadas, enquanto outras se consolidaram ao longo dos anos.

Levo tempo para arrumar meu armário. A bagunça, as lembranças e as ponderações não estão somente no papel. Faz questionar como cheguei a opiniões e conclusões a respeito de muita coisa hoje. E não entendo parte desta trajetória. Simplesmente não entendo. Nem garanto que, se eu entender, me tornarei uma pessoa mais tranquila. Se confundo discrição com indiferença, se avancei o limite entre medo e passividade, se embaralho cinismo com amargura. Gostaria que não fosse assim, sem eu precisar complicar tudo. Mas aconteceu diferente. Correu a ponto de eu hesitar em responder quando me perguntaram se eu era otimista ou pessimista em relação à vida para, horas depois, ainda pensar na pergunta e sentir os olhos marejados por não definir uma resposta. E até agora a melhor conclusão que tive foi a de que preciso ter menos textos e mais fotos. Imagens parecem mais simples. Mas não acredito que me livre da escrita. Ainda preciso dela, ainda que sem muita vontade. Até lá, preciso decidir o que vou jogar fora. Se não é fácil com as lembranças e confusões, pelo menos que seja com a papelada. Nem que se resuma a escolher quais músicas vou acompanhar com a letra, com um lápis por perto, mesmo que nunca seja utilizado.

3 comentários:

Anônimo disse...

Não substitua os textos por fotos, as duas coisas são tão bonitas e tão importantes. Eu acho que às vezes essa bagunça toda é que faz todo o sentido, por isso eu em mexo mais nas minhas gavetas. Deixa estar lá...

CrápulaMor disse...

Muito difícil decidir o que jogar fora nessas horas, né? Por mais que você saiba que nunca irá precisar daquilo novamente, é bom saber que ainda está ali, que você não se desfez definitivamente. Nunca é fácil se desfazer definitivamente... Por mais que pareçam sem importância, cada um desses objetos são partes da nossa história. Aí não se trata mais de utilidade prática ou valor material, a ligação é abstrata, imprecisa e muito mais forte.

Anônimo disse...

Vai explicar isso pra nossas mães, pro mofo e pras traças?
Na nossa ausência, metade das nossas histórias e memórias vai parar no lixo. :\
bjo,
Luana

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