"Fiquem com Deus". Todos se levantavam e caminhavam em direção à saída. Minha parceira estava do outro lado da igreja, exalando perspicácia, observando quem estaria mais receptivo a uma aproximação. Era o que me parecia e, naquele momento, era o que me incentivava. Uma noite triste e cansativa como aquela representava um esforço maior em procurar histórias de milagres para um projeto de comercial. Eu estava encostado na coluna, cabeça baixa, caneta girando entre os dedos, esperando a multidão se dispersar. Observava as pessoas, mesmo dando mais atenção às minhas tolas indagações ao comparar "fiquem com Deus" e "saiam da igreja". Noite de missa.
Sempre sobravam algumas pessoas sentadas. Nossas melhores tentativas. Os dois circulando os bancos, esperando a oração acabar, reparando no recato das roupas, na velocidade dos múrmurios, na força no aperto das mãos, no suspirar antes de abrir os olhos. Algumas vezes comparei o nosso trabalho à um ritual de caça. O momento do ataque era o desvio do olhar do altar para os lados, se situando do ambiente antes de sair. Então chegávamos com educação, respeito, sondagem, pedidos, perguntas e anotações.
Entre aprovações no vestibular e curas milagrosas de doenças, não era muito difícil perceber quem era fiel de todas as ocasiões e quem era devoto social em desespero. Muito bonito de se ver uma expressão genuína de fé, às vezes desconcertante, principalmente para pessoas que complicam tudo ao tentar se concentrar nas perguntas. Ao casos que não rendiam, seja pela gravidade da situação ou pela superficialidade na postura, restavam linhas e esquecimento. Ouro de tolo.
Igreja quase vazia, reparei na mulher sentada perto da última fila dos bancos. Fui para o corredor lateral. Se notasse minha aproximação, ela poderia aumentar a resistência às minhas perguntas antes mesmo de eu dizer qualquer palavra. Antes de passar pela última coluna, notei que estava de olhos abertos, cabisbaixa, mãos cruzadas sobre o colo. Devia ter um pouco mais de 30 anos. Uma única presilha segurando os cabelos compridos. Percebeu minha aproximação e levantou os olhos. Parei.
Cansaço. Tristeza. Controle. Persistência. Vulnerabilidade. Esperança. Talvez tenha sido esta última leitura em seus olhos que me fez olhar para o altar e depois me virar novamente para ela, antes mesmo de perceber tal gesto. Senti-me um pouco envergonhado. Já estava ali, fui em frente, talvez por instinto, mas totalmente desarmado. Respondeu que era devota. Não consegui pensar mais: perguntei se ela estava interessada em compartilhar sua história. Sorriu levemente e disse que não, numa mistura de reserva e cortesia que quase me fez pedir desculpas. No início do corredor, ainda pude vê-la abaixar mais uma vez a cabeça, mantendo o mesmo olhar.
Entre sorrisos, lágrimas, declarações de fé e gestos de devoção, o maior impacto veio de um olhar. Já pensei que eu devia estar excepcionalmente cansado ou confuso, imaginei coisas. Mas ainda penso nisso quando vejo que certas atitudes e sentimentos estão além do nosso alcance de compreensão, ainda que não escape da nossa percepção. E é essa imagem que às vezes me ilustra a mente quando penso na idéia de que quanto maior o poder interno, menor o esforço para expressá-lo. Mesmo que não seja consciente, mesmo que não seja reconfortante.
Sempre sobravam algumas pessoas sentadas. Nossas melhores tentativas. Os dois circulando os bancos, esperando a oração acabar, reparando no recato das roupas, na velocidade dos múrmurios, na força no aperto das mãos, no suspirar antes de abrir os olhos. Algumas vezes comparei o nosso trabalho à um ritual de caça. O momento do ataque era o desvio do olhar do altar para os lados, se situando do ambiente antes de sair. Então chegávamos com educação, respeito, sondagem, pedidos, perguntas e anotações.
Entre aprovações no vestibular e curas milagrosas de doenças, não era muito difícil perceber quem era fiel de todas as ocasiões e quem era devoto social em desespero. Muito bonito de se ver uma expressão genuína de fé, às vezes desconcertante, principalmente para pessoas que complicam tudo ao tentar se concentrar nas perguntas. Ao casos que não rendiam, seja pela gravidade da situação ou pela superficialidade na postura, restavam linhas e esquecimento. Ouro de tolo.
Igreja quase vazia, reparei na mulher sentada perto da última fila dos bancos. Fui para o corredor lateral. Se notasse minha aproximação, ela poderia aumentar a resistência às minhas perguntas antes mesmo de eu dizer qualquer palavra. Antes de passar pela última coluna, notei que estava de olhos abertos, cabisbaixa, mãos cruzadas sobre o colo. Devia ter um pouco mais de 30 anos. Uma única presilha segurando os cabelos compridos. Percebeu minha aproximação e levantou os olhos. Parei.
Cansaço. Tristeza. Controle. Persistência. Vulnerabilidade. Esperança. Talvez tenha sido esta última leitura em seus olhos que me fez olhar para o altar e depois me virar novamente para ela, antes mesmo de perceber tal gesto. Senti-me um pouco envergonhado. Já estava ali, fui em frente, talvez por instinto, mas totalmente desarmado. Respondeu que era devota. Não consegui pensar mais: perguntei se ela estava interessada em compartilhar sua história. Sorriu levemente e disse que não, numa mistura de reserva e cortesia que quase me fez pedir desculpas. No início do corredor, ainda pude vê-la abaixar mais uma vez a cabeça, mantendo o mesmo olhar.
Entre sorrisos, lágrimas, declarações de fé e gestos de devoção, o maior impacto veio de um olhar. Já pensei que eu devia estar excepcionalmente cansado ou confuso, imaginei coisas. Mas ainda penso nisso quando vejo que certas atitudes e sentimentos estão além do nosso alcance de compreensão, ainda que não escape da nossa percepção. E é essa imagem que às vezes me ilustra a mente quando penso na idéia de que quanto maior o poder interno, menor o esforço para expressá-lo. Mesmo que não seja consciente, mesmo que não seja reconfortante.
3 comentários:
esse teu último parágrafo parece o que eu ouvia nas aulas de tai chi...
poder interno, menor esforço...
é isso.
Eu achei que parece uma crônica, de um livro de crônicas. Sabe aquele livro de crônicas que tem um pinto na capa? Pareceu uma crônica, desse livro de crônicas. Gostei! Eu queria ter uma profissão em que eu tivesse que abordar pessoas, e contar as histórias delas. E olha que, como já falei antes, não sou social. Mas não tem nada a ver com "ser social", né? Tem a ver com escutar, mais do que interagir. Sei lá.
Como assim?
Insinuaste que eu ando copiando as pessoas?? rsrs
nossa =)
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