Registro

Acordei tarde, mãe brigando pelo atraso, mal tomei banho, não tomei café, peguei o ônibus e, ao descer, fui correndo com todo fôlego possível pra igreja. Ofegante e suado, acabei sendo o primeiro a chegar. Mais tarde, quando os outros apareceram, comentaram sobre eu ser o único a estar usando preto para o batizado, algo não recomendado, principalmente quando se é o padrinho.

Comentário inútil. Fui chamado para ser padrinho da minha prima, que já devia estar com uns 3 anos, e a mãe dela já sabia do meu jeito avoado aos 15. A roupa preta (antes de Tropa de Elite) eu estava começando a usar com freqüência. Não tinha idéias formadas sobre igreja e reuniões familiares, mas algo já não me agradava. Ficava calado. Sorria pouco e não era difícil de ser chamado de bicho-do-mato por parentes. Havia a conversa (mole) de que era o padrinho que cuidaria da criança caso os pais, por algum motivo, não pudessem dar conta. E eu ainda estava levando um intensivão da vida no ensino médio. Por falar em pais, sempre me dei bem com minha tia, mas era moleque e casmurro demais pra ter a famosa relação estreita de confiança que há entre minha mãe e seus irmãos. Por isso são geralmente eles os padrinhos dos sobrinhos. Diretamente óbvio: eu não significava a melhor opção tradicional para ser padrinho. Mas simplesmente a menina gostava de mim, se divertia no meu colo, me achava engraçado, gostava que eu a jogasse pro alto, sei lá.


Nunca dei muito certo com crianças. Não me derreto em sorrisos (admito que recentemente aparecem uns sorrisinhos de gengiva e umas bochechas muito graciosas e infláveis, quero dizer, infalíveis pra dar vontade de apertar) . Minha altura talvez intimide. Se a acho mimada demais, escancaro minha antipatia sem pensar muito. Se estou de mau humor, quase não olho. Nada muito diferente dos adultos. Se a minha afilhada aprensentasse muita frescura, eu não não tratá-la diferente de outras crianças do meu convívio.

Mas acabou saindo um tratamento diferente. Atenção mais apurada. Paciência menor. Quando ela era muito violenta, eu não a ignorava como fazia com outros. Até revidava. Se ela pegava pesado, eu respirava fundo e lembrava que era uma criança. Se continuasse, voltava a respirar fundo e retrucava pesado também. Já valeu imobilização, travesseiro, corda, água... Esquentadinha e inteligente. Um tipo padrão.

Hoje ela faz 11 anos. Cresceu bastante. É mais calma. Já não fica tanto perto das outras crianças. Na última vez que a vi, mostrou um comportamento até adulto, não correndo, ouvindo o Ipod (bem que ela podia me ensinar) sem se exibir, procurando saber o que falta pra levar à mesa de jantar. Me deu vontade de perguntar se ela ainda faz e vende pulseiras artesanais ("a pele dela é delicada?" "ela gosta de amarelo?" "é melhor então essa aqui pra você dar pra ela", sincera, pois a indicação era a mais barata de todas as opções). Quis perguntar se ela ainda tira boas notas, se ela tá gostando da nova casa.

Mas não deu. Ela tava na dela e eu não me senti muito animado pra sair andando atrás só pra puxar papo. Hoje tinha idéias de um post sobre dúvidas, divagações e esses aborrecimentos de ser humano. Mas lembrei dela. E escrevi. Ela não deve ler. Mas, para todos os efeitos, a escrita serve pra isso: registro, ainda que não chegue à referência. Do carinho daqui à leitura de lá.

3 comentários:

Anônimo disse...

Gostei muito do texto!
também não levo muito jeito com crianças, me falta paciência, empatia...um monte de coisas, mas meu sobrinho anda me ensinando um pouco! rs

e essa frase: 'Mas, para todos os efeitos, a escrita serve pra isso: registro, ainda que não chegue à referência. Do carinho daqui à leitura de lá.'

isso que é infalível e muito verdadeiro! :)

thiago hakai-so disse...

Concordo com a lorena. A escrita é catártica. É quase... um ato de libertar-se de expandir-se. Mesmo que ela não leia eu gosto de crer que ela vai sentir.

Não escrevemos um livro. Um blog não pe voltado pros outros, escrevemos nossas impressões, nossos "ufa(s)!", síndromes (rs). Nos expandimos. Talvez sem saber um pedacinho do padrinho a tenha ensinado algo. É como a escrita, quando abrimos a porta nunca sabemos onde vai chegar!

Anônimo disse...

pois então...
tambem nao gosto muito disso de postar e depois excluir
mas serve pra alguma coisa, pra me provar que eu sou tão inconstante quanto eu pensava, muito mais!

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